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Normalizem não contar nada para ninguém: o poder da privacidade e da discrição

Por Cristiane Lang (*) | 07/10/2024 08:46

Vivemos em uma época de hiperexposição, onde parece que tudo precisa ser compartilhado. Desde as pequenas vitórias do cotidiano até os maiores desafios pessoais, muitos sentem a necessidade de dividir tudo com o mundo, especialmente nas redes sociais. Essa cultura do compartilhamento constante cria a ilusão de que nossas vidas só têm valor quando são expostas e validadas pelos outros. Porém, há uma força silenciosa e poderosa no ato de guardar certas coisas para si. Normalizar não contar nada para ninguém é uma prática de autocuidado, uma forma de proteger sua energia e manter a privacidade como uma aliada.

Por que compartilhamos demais?

O desejo de compartilhar informações pessoais frequentemente está ligado à busca por validação externa. Em um mundo que valoriza a aprovação social, muitas vezes sentimos a necessidade de mostrar nossas conquistas, planos e até mesmo as dificuldades para obter reconhecimento ou apoio. Isso cria um ciclo em que nos tornamos dependentes da opinião dos outros para nos sentirmos bem com nossas próprias escolhas e caminhos.

Por outro lado, compartilhar também pode ser uma forma de buscar consolo ou compreensão. Quando estamos inseguros ou incertos sobre algo, dividir nossas preocupações parece aliviar o peso que carregamos. No entanto, ao fazer isso, abrimos espaço para críticas, julgamentos ou energias que podem não ser tão positivas.

O valor da privacidade: guardar para si é proteger-se

A privacidade é uma forma poderosa de autocuidado. Quando escolhemos não contar algo para ninguém, estamos criando um espaço protegido onde podemos processar nossas emoções, refletir sobre nossas decisões e amadurecer nossas ideias sem a interferência de outras opiniões. Isso nos dá liberdade para explorar nossas próprias motivações e agir de acordo com o que realmente acreditamos, sem ser influenciados pelas expectativas alheias.

Guardar algo para si também é uma forma de se proteger contra possíveis decepções ou frustrações. Ao compartilhar nossos planos ou metas muito cedo, corremos o risco de nos expor a críticas ou energias negativas que podem minar nossa motivação. Às vezes, o melhor é esperar até que algo esteja consolidado e pronto para ser divulgado.

Não contar nada: uma escolha consciente de liberdade

A ideia de normalizar não contar nada para ninguém não é sobre criar uma barreira entre você e os outros ou viver em completo isolamento. É, na verdade, uma forma de exercer a liberdade de escolha sobre o que compartilhar e com quem. Ao entender que nem tudo precisa ser dividido, criamos uma relação mais saudável com nós mesmos e com o nosso círculo social.

Essa prática nos incentiva a confiar mais na nossa própria intuição e a tomar decisões com base no que achamos certo, em vez de buscar constantemente a validação externa. Isso também nos ajuda a desenvolver uma autoconfiança mais sólida, pois começamos a nos basear em nossos próprios valores e desejos, em vez de nos moldarmos às expectativas de outros.

A pressão social e a cultura do compartilhamento

A cultura das redes sociais reforça a ideia de que devemos expor nossas vidas para sermos valorizados ou para nos conectarmos com os outros. No entanto, essa pressão pode ser prejudicial. Ao compartilhar excessivamente, nos tornamos vulneráveis ao julgamento e à interferência de pessoas que talvez não compreendam totalmente nossas circunstâncias.

A prática de manter silêncio sobre certos aspectos da vida, por outro lado, é um exercício de poder pessoal. Ela nos permite estabelecer limites claros sobre o que é público e o que é privado, e nos dá o direito de preservar certos espaços da nossa vida apenas para nós mesmos.

O poder do mistério: nem tudo precisa ser explicado

Existe um charme e uma força no mistério. Quando escolhemos não contar tudo a todos, mantemos um ar de discrição e autonomia. Nem tudo precisa ser explicado ou exposto. A vida privada deve ser valorizada e protegida como uma forma de cuidar do próprio bem-estar emocional e mental.

Além disso, o mistério pode nos dar tempo para amadurecer ideias e construir nossas conquistas longe dos olhos do público. Isso nos dá mais controle sobre o que escolhemos revelar e em que momento.

Escolher com cuidado: com quem compartilhar

Isso não significa que nunca devemos compartilhar nada com ninguém. A questão central é que devemos ser seletivos em relação a quem damos acesso às nossas vidas e em que momento fazemos isso. Amigos e familiares próximos, que nos apoiam genuinamente, podem ser confidentes valiosos. No entanto, é importante discernir quem está realmente interessado em nos ajudar e quem pode estar apenas curioso ou até mesmo torcendo para que algo dê errado.

A escolha de compartilhar ou não deve ser baseada em confiança, intimidade e apoio mútuo. Ao estabelecer esses limites, criamos um ambiente onde nossas ideias e sentimentos podem florescer sem serem sufocados por expectativas ou críticas.

Fortalecer-se com o silêncio

O silêncio tem um poder único. Quando mantemos certas coisas em segredo, estamos cultivando uma força interna que não depende da opinião dos outros. Isso nos permite crescer em nossas jornadas pessoais com mais confiança e propósito. O silêncio também nos ajuda a lidar com fracassos e recomeços sem o peso da observação externa.

Manter o silêncio sobre nossas metas e realizações nos dá a liberdade de errar e aprender sem a pressão constante de corresponder às expectativas dos outros. E, ao fazermos isso, estamos construindo uma resiliência emocional que nos permite seguir em frente com mais serenidade.

Normalizar não contar nada para ninguém é uma prática que pode trazer muitos benefícios à nossa vida. Ela nos protege das energias externas, nos liberta da busca por validação e nos dá o espaço necessário para refletir, crescer e realizar nossos projetos de forma mais autêntica. A privacidade é uma escolha consciente que nos ajuda a manter o controle sobre nossa própria narrativa, permitindo que nossa vida floresça longe dos olhares e julgamentos de quem não está no nosso caminho.

O silêncio, longe de ser um isolamento, é uma forma de fortalecimento e de autocuidado. Ao adotarmos essa prática, estamos escolhendo a liberdade de sermos nós mesmos, sem a necessidade de exposição constante, e preservando o que há de mais íntimo em nossas jornadas.

(*) Cristiane Lang é psicóloga clínica, especialista em Oncologia pelo Instituto de Ensino Albert Einstein de São Paulo. 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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