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O Estado, a Universidade e o Combate à Intolerância Religiosa no Brasil

Por Norlan Souza da Silva (*) | 22/01/2024 08:30

A data “21 de Janeiro” entra no calendário de efemérides nacionais, isto é, de datas comemorativas, como o "Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa". Essa data de reflexão e luta se deve a uma série de situações de discriminação, preconceito e terror com que pessoas e comunidades religiosas vêm sofrendo ao longo de séculos de perseguições e desvalorizações de seus credos, violações e destruições de seus espaços de culto, ou ameaças e agressões, contra seus praticantes e sacerdotes.

 A efeméride foi criada pela Lei 11.635, em 2007, para homenagear a Ialorixá Gildásia dos Santos, conhecida por Mãe Gilda, fundadora do Terreiro de Candomblé Ilê Axé Abassá de Ògun, do bairro de Itapoan, em Salvador, assassinada em 1999, causando imensa dor e revolta para todos respeitam e praticam as tradições religiosas de matrizes afro-brasileira e africanas no país.

Este estado de reivindicação por justiça e fim pelos inúmeros casos de intolerâncias sofridas pelos seus praticantes e sacerdotes, perpassa uma marca indelével da cultura brasileira, onde a escravidão, o patriarcado e a colonização ficaram sedimentados na história.

As populações ameríndias, africanas, afro-brasileiras e afro-pindorâmicas que moldaram a nossa cultura sofreram situações calamitosas em cinco séculos de violências, alimentadas por um Estado que defendeu veementemente o pacto hegemônico de controle da sociedade de maneira religiosa, econômica e política, moldando nossa formação cultural baseada na segregação discriminatória de raça, gênero, classe, idade e território.

Contudo, nossa atual constituição brasileira, escrita cem anos depois da Abolição, promulgada de maneira democrática, objetiva, segundo o seu 3° artigo, em que deve-se constituir uma sociedade livre, justa e solidária, mas também garantir o desenvolvimento nacional, erradicando a pobreza e marginalização, assim como as desigualdades sociais e regionais, para que assim, promova o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação no Brasil.

Dessa maneira, o Estado brasileiro deve ser defensor dos valores de inclusão social, não devendo proteger uma religião em detrimento de outra, para que garanta assim seu perfil laico e republicano, tão necessário e capaz de trazer a resolução dos conflitos na sociedade brasileira.

Por isso, o nosso Estado Democrático de Direito deve garantir que as religiões de matriz brasileira, africanas e ameríndias, assim como qualquer outra, como Judaísmo, Cristianismo, Islamismo, entre tantas existentes e possíveis, possam gozar da liberdade de culto e manter o respeito ecumênico entres os credos e seus praticantes.

Como lidar com tudo isso na prática? Por que essa diretriz não acontece? Por que o Estado não garante o zelo indiscriminado das religiões no Brasil? Por que ao longo de gerações os grupos religiosos de matriz Afro-brasileira, africanas, ameríndias e afro-pindorâmicas tão diversos sofrem todo tipo de intolerância religiosa?

Provavelmente, porque o principal motivo esteja numa trajetória de desrespeito com diferença e, atualmente, em razão da nossa letra constitucional ainda precise ser respeitada e fiscalizada por todos nós cidadãos, na forma de uma formação de cidadania, tanto de maneira educacional quanto política, para que seja garantido o direito de liberdade, respeito e igualdade entre nós brasileiros.

Assim, a Universidade ainda tem o papel de dínamo capaz de transformar a realidade social, promovendo e oportunizando condições de ensino, pesquisa, inovação e extensão junto a sociedade brasileira trazendo essa problemática para os currículos, as pesquisas, as inovações e os diálogos sobre a realidade de intolerância religiosa que a sociedade brasileira vem se construindo a muito tempo, para que as gerações futuras não carreguem o peso de um problema mal compreendido e explicado.

Uma ação que não deve ficar restrita ao espaço-tempo da academia, mas se estender à população, o que demanda um trabalho coletivo, que não se limite ao individual, todas as lutas devem caminhar juntas, nesse processo de luta o exercício da coletividade é imprescindível, exigindo um trabalho emocional e psicossocial comunitário.

Dessa maneira, a Universidade de Brasília, a partir do Observatório de Políticas Públicas Culturais, sob a coordenação da professora Maria de Fátima Rodrigues Makiuchi, vem realizando um estudo de cunho interdisciplinar, sobre racismo religioso, e registrando as trajetórias de vida de lideranças e praticantes de terreiros de Umbanda, Candomblé e Tradição Iorubá no Distrito Federal e Entorno, realizado em no Memorial Darcy Ribeiro, em dezembro passado.

Neste momento, estamos em diálogo com outras universidades brasileiras para compreender essa realidade em todo o território nacional, assim como estamos em sintonia com as políticas públicas adotadas pelos governos federal, distrital e estaduais pelo Brasil para acompanhar as lógicas de combate à intolerância religiosa no país.

Neste caso, a data de “21 de Janeiro" deve ser um momento de reflexão em busca da tolerância entre todos os praticantes religiosos de todos credos e religiões. Porém precisamos entender que uma efeméride criada por lei federal é um passo desse caminho de realizações, juntamente com outras políticas, planos, programas e projetos estruturais para que a data “21 de Janeiro" seja capaz de alavancar uma transformação no comportamento social do povo brasileiro, na perspectiva de um comprometimento com todos os seres.

Então, vamos comungar pela paz, pela não violência e pelo diálogo ecumênico para que todos credos e todas as religiões tenham vez e voz de compartilhar seus saberes e ritos dentro da Universidade, porque é nela que a diversidade se manifesta como um microcosmo da sociedade que lhe envolve com sede de saber e conhecimento. Logo, sigamos aprendendo sempre e combatendo a intolerância de todas as formas.

(*) Norlan Souza da Silva é doutorando em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional (CEAM/UnB). Pesquisador pelo Observatório de Políticas Culturais (NECultt-D/CEAM/UnB). É professor da Disciplina de Tópicos Especiais de Comunicação: Decolonialidades, Interseccionalidades e Hegemonias Culturais nos Estudos Midiáticos (DAP/FAC/UnB). Além de cineasta e cientista social.

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