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O homem do dia – uma reflexão acerca da imagem masculina...

Por Leôncio Mário Jardim Neto e Wellington Bezerra de Mello (*) | 16/07/2024 08:30

O Dia do Homem é comemorado, no Brasil, no dia 15 de julho e, longe de se fazer apologias ao macho “hétero-top” padrão, um novo Homem merece ser reverenciado: aquele que, aberto às mudanças da agenda social, busca uma reconstrução, em uma mudança consistente em relação ao perfil institucional, desenhado pela sociedade patriarcal, modelo hegemônico em franca contestação.

Não basta, pois, comemorar esse dia, impondo-se, em retrospecto, uma crítica coerente com os desafios enfrentados na construção desse homem esclarecido quanto às novas relações sociais impostas pelo cenário político-social contemporâneo, voltadas à constituição de uma sociedade mais equitativa, menos violenta e com maior justiça social, enfrentando os preconceitos e as discriminações de gênero, raça/cor e diversidade sexual, por meio de maior inclusão social, apenas alcançável pela redistribuição de poder, que sempre esteve concentrado em proveito do perpétuo patrimônio de privilégios masculinos.

Em superfície, emerge a reflexão acerca da própria definição do que seria homem, conceito atualmente fraturado, considerando-se as multiplicidades masculinas trazidas a proscênio, num cenário conflitivo e de manifesto discurso reacionário ante as reivindicações das mais recentes masculinidades desveladas. Assim, os conceitos do que seria um homem, não se traduzem mais num indivíduo do sexo masculino, pois o gênero social se descolou do sexo meramente biológico, pelo que também vale dizer, adotando-se, “mutatis mutandis”, o recorrente e esclarecedor topos beauvoiriano: ninguém nasce homem, torna-se homem.

Disso impõem-se a questão: o que define se um corpo deve ser considerado do masculino? A resposta parece simples, porém é muito mais complexa do que se imagina. Além de todas as questões culturais, estruturantes da identidade social masculina, a própria natureza, em suas verdades aparentemente absolutas, apresenta uma diversidade de situações fisiológicas, onde a presença de um pênis em si só não responderia a questão, uma vez que existem indivíduos com pênis que podem engravidar e outros que possuem gônadas, ovário e testículo, além daqueles que possuem cromossomos XXY, entre tantas outras situações pelas quais a própria natureza põe a prova as “verdades” que lhe são culturalmente atribuídas. E é essa sexualidade desenhada pelas tão “irrefutáveis” características biológicas, que determina que tais identidades não estão restritas a duas caixinhas: homem ou mulher, até porque sempre existiram corpos com características que não são consideradas 100% masculinas, nem femininas, como acontece com o intersexo, ocorrendo, pois, sem considerar a diversidade das alternativas culturais, uma enorme variação de possibilidades, que vai desde a aparência externa dos genitais até a formação cromossômica.

Face ao até aqui colocado, retornemos às identidades de gênero em sua constituição sociocultural, marcadas pela amplitude de seu espectro, como se estivéssemos a tratar do infinito percurso dalguma flecha identitária, atirada por Zanão, em direção à compreensão de como o homem percorre a grande variedade das infinitas masculinidades arroladas na complexa negociação das personas, nesse mosaico contemporâneo dos possíveis homens, pelos quais se identificam os transgêneros, os de gênero fluído e até os não binários. A Masculinidade é um conjunto de atributos, comportamentos e papéis que está geralmente associado aos meninos e homens. Também é uma construção social, composta tanto por fatores socialmente quanto biologicamente definidos, distinguindo-se da mera definição do sexo biológico masculino, um fato presente na sociedade e que merece uma vasta reflexão acerca do processo de como está estabelecida essa inter-relação, voltando-se ao projeto das harmonias entre os “ditos homens”.

A maneira que os homens se comportam até a atualidade no Brasil é resultado de um longo processo histórico que é resultado de um machismo estrutural, do preconceito e da discriminação sistêmica e que culmina quase sempre em violência. Esse é um “modo de ser” que tem sido ensinado, apreendido, imitado e reproduzido pela sociedade, nos lares brasileiros, passando pela criação no seio da família e fortalecido pela sociedade cristã. E é, autorizados por tais códigos de conduta, sancionados pelas tradicionais instituições patriarcais, que homens praticam seu vasto arsenal de violências, numa reprodução do modelo imposto às disputas nessa cena das desigualdades de poder e diferenças de classe. Então, resta responder algumas questões acerca do tema: Por que os homens são responsáveis pela maior parte das violências que ocorrem na sociedade? Por que se tornar violento é uma necessidade para alguns homens? Como os homens podem colaborar para a sociedade se tornar mais solidária e equânime? Ora, o machismo mata e é reproduzido pela grande maioria das pessoas. Mas como combater e enfrentar esse problema? Essas são questões importantes que precisam de respostas urgentes em proveito da transformação da identidade do homem contemporâneo.

Na atualidade ser “homem” representa, acima de tudo, uma atitude ética diante das pautas emergentes da sociedade, um compromisso com o progresso da humanidade enquanto espécie e civilização, bem assim, uma nova imagem que deve estar associada à diversidade das masculinidades. E nesse aspecto, quando se fala em masculinidades, trata-se dos vários modos de ser homem, no âmbito dessa cultura machista e patriarcal, que constrói uma hierarquia entre os homens, onde valoriza determinados tipos – o homem branco, europeu e heterossexual –, ao tempo que marginaliza e discrimina os demais que não estão enquadrados no padrão. Assim, outros “homens”, quais sejam: negros, latinos, homens transexuais, gays, pessoas com deficiência, entre as outras possibilidades que se define enquanto gênero masculino, também aproveitariam dessa transformação no quadro da distribuição do poder. E são nos espaços públicos que se demarcam os territórios ideais para a prática das mais diversas situações de reprodução das violências aplicadas contra a diversidade das representatividades dessa diversidade masculina. A cultura machista que é imposta com violência está presente em todos os níveis sociais, com um discurso que busca estabelecer uma relação de dominação sobre os outros valores e o diferente perde espaço para o poder machista, onde o masculino com a mínima característica de feminilidade é combatido e rechaçado, por representar um insulto, uma afronta, uma agressão, uma traição àqueles tidos como verdadeiros “machos”. Os meios de comunicação, as redes sociais, a internet, por sua vez, reproduzem e divulgam massivamente notícias sensacionalistas, programas violentos, e têm, constantemente, contribuído para a manutenção e propagação da cultura machista e patriarcal, de prática violenta, discriminatória e preconceituosa, reforçando a continuidade de uma hierarquia privilegiada que domina historicamente a sociedade e impede avanços significativos nas relações socialmente igualitárias.

Assim, diante tantos avanços tecnológicos, da grande capacidade intelectual, de produção criativa e do desenvolvimento econômico que o homem foi capaz de produzir ao longo dos tempos, ainda vale acreditar que a grande mudança comportamental que trará o homem ao novo projeto de civilidade e de novos sentidos, está no compromisso de que se mude, efetivamente, os processos que envolvem a violência, como solução de problemas, enfrentamentos, a sua banalização, e que obstam o homem de se permitir vivenciar os próprios sentimentos, numa maior profundidade de seu ser, sem risco à sua identidade masculina, voltando-se à compreensão da integridade do corpo e da alma enquanto indivíduo que coexiste em uma sociedade plural, em prol da harmonização das relações entre todos os homens e suas masculinidades.

(*) Leôncio Mário Jardim Neto é doutorando pelo Programa de Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional (PPGDSCI/UnB), artista plástico interessado na visualidade e no substrato material das manifestações religiosas da cultura popular e afro-brasileira-ameríndia.

(*) Wellington Bezerra de Mello é mestrando pelo Programa de Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional (PPGDSCI/UnB), desenhista Artístico e Publicitário; Designer Gráfico.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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