O jubileu do Natálio
Todas as profissões, as mais variadas, têm suas características intrínsecas: médico, advogado, engenheiro, mestre-de-obras, pedreiro, alfaiate, sapateiro, garçom, corretor de imóveis, arquiteto, etc. Mas ao mesmo tempo, elas têm como fundamento natural a competência, a dedicação, o zelo, a honestidade, a integridade, e a capacidade.
Neste artigo vou tratar de um profissional que reúne as condições acima, aliadas às características particulares de sua profissão de bem servir, como atendimento cordial, discrição, cortesia, paciência, bom humor e alegria: o garçom Natálio Malaquias.
Natálio completou há pouco tempo o seu jubileu de ouro, cinquenta anos ininterruptos no exercício da profissão, coroando sua trajetória com o reconhecimento público de seus clientes e de seus patrões que ao longo desse período contaram com o seu precioso atendimento.
Os judeus instituíram o jubileu como comemoração de um período de cinquenta anos, praticando nessa oportunidade o perdão de dívidas e a libertação de escravos. Era o momento de se alegrar e de agradecer. O ano do júbilo se abre com o toque da trombeta, chamada em hebraico “jobel”, daí o nome jubileu.
Enfim, esse é um momento de muita alegria. No mundo social, se instituiu o termo jubileu como representativo de um momento especial, por exemplo, o das bodas de ouro, cinquenta anos de casamento. Por extensão, todas as comemorações com esse período de tempo passou a se denominar jubileu.
E o Natálio atingiu assim o ápice de sua carreira. Ele deveria receber uma bandeja de ouro como um troféu por essa conquista. Ele nasceu em Terenos e passou a juventude no interior de São Paulo.
Começou como garçom no Automóvel Clube de São José do Rio Preto, voltando para Campo Grande em 1972. Aqui trabalhou nos mais emblemáticos e históricos bares e restaurantes: Bambu, Gato Que Ri, Majestic, Rádio Clube, entre outros. Trabalhou também na governadoria do estado e no Tribunal de Justiça, e tem como ponto de honra ter servido ao presidente Ernesto Geisel na cerimônia de implantação do estado de Mato Grosso do Sul, em janeiro de 1979.
Segundo Natálio, sua grande satisfação profissional é simplesmente servir bem: "O maior desafio de um garçom é no final do expediente sair com uma mente tranquila por ter feito um bom trabalho, deixando os clientes satisfeitos".
Mais do que servir, o garçom ainda se torna um colecionador de histórias, e no caso de Natálio elas são guardadas a sete chaves. Ele não revela nenhum caso, mas conta que mesa de bar e restaurante também se torna um divã para os clientes, e ao longo desses anos ele se fez um ouvinte confiável. "São muitas coisas, tem segredos que dariam um livro. Já ouvi história de amor e cliente falando da vida. Se o garçom tiver disponibilidade, é bom que ele ouça, é uma maneira diferente de ver a vida. Mas depois é preciso fingir ser cego, surdo e mudo", ensina.
Atualmente Natálio trabalha como maitre no restaurante Pietro I Maria, de propriedade de Valmir Guarinão.
Natálio tem dez filhos com cinco mulheres diferentes, e brinca se dizendo concorrente do Fábio Júnior. Cinco de seus filhos concluíram o curso superior. Quando sua filha Luana, formada em direito, foi receber a carteira da OAB, durante a cerimônia Natálio apareceu em traje de gala, de terno preto, camisa branca e gravata borboleta, como um típico garçom das antigas, e entregou a carteira da OAB numa bandeja para a filha. Foi muito emocionante, e reforçou o sentimento de orgulho da profissão que ele carrega. Essa cena pode ser vista no site do Campo Grande News, que cobriu o evento há alguns meses.
É com muita satisfação que escrevo aqui sobre a trajetória desse garçom tão querido. Natálio Malaquias é um exemplo perfeito de profissional que dignifica e engrandece a sua profissão.
(*) Heitor Rodrigues Freire é corretor de imóveis e advogado.
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