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Stalking: O crime que parece roteiro de filme de terror

Por Vitória Junqueira Cândia (*) | 24/04/2025 13:30

Não é de hoje que o ser humano e suas relações interpessoais são alvo de estudos. Tais relações formam, inclusive, tipos penais novos, a partir de condutas tidas como inaceitáveis na sociedade, e que passam, portanto, a serem consideradas condutas criminosas. O mais novo delito do Código Penal, inserido pela Lei nº 14.132, de 2021, trata-se de um crime silencioso e sorrateiro, mas igualmente perigoso. Diz respeito ao artigo 147-A, que torna criminosa a conduta de perseguir alguém.

Pela lei brasileira, o ato de perseguir ou, em inglês, “stalkear” alguém significa ter condutas reiteradas que envolvam mandar mensagens excessivas, ligações telefônicas muitas vezes ao dia, estar sempre nos mesmos locais que sua vítima, saber tudo sobre a vida ou o paradeiro da outra, etc. O que parecem situações, em um primeiro momento, inofensivas, acabam por apresentar um risco grande à vítima do crime de stalking/ perseguição, pois, quando se dão conta da gravidade e da intensidade que as atitudes do(a) agressor(a) tomaram, já é difícil desvencilhar-se de seu algoz.

O agressor, aquele que comete o delito de stalking, muitas vezes entende legítimo seu comportamento, pois pode sofrer de uma condição psíquica chamada de Erotomania, também conhecida como Síndrome do Amor Não Correspondido ou Síndrome de Clerembault. Tal síndrome tem por explicação uma condição de mania, ou seja, de estado não normal do psíquico de alguém, em que a pessoa acredita estar em um relacionamento (amoroso ou de amizade) com sua vítima, quando, na verdade, muitas vezes mal se conhecem.

Como exemplo de tal síndrome, uma simples foto de um ídolo com um(a) fã pode se tornar um gatilho mental para que essa pessoa crie uma fantasia distópica. Dessa breve demonstração de gentileza, o(a) stalker pode passar a entender que aquela pessoa que ele admira também a admira de volta e, então, passar a se referir a essa pessoa como sendo o seu “amor”, seu “namorado(a)”, iniciando uma perseguição física e/ou virtual e imputando graves prejuízos à vida do outro, que muitas vezes sequer tem conhecimento de tudo isso até que ele(a) passe a abordá-lo de tal maneira.

Mas o crime de stalking não ocorre somente na modalidade romântica, pode vir também em um contexto em que a agressora ou agressor buscam proximidade com suas vítimas de forma a serem amigos/amigas, tentando enturmar-se em um grupo social ou familiar. Sendo rejeitados(as) por qualquer motivo, sentem-se humilhados e, a partir daí, usam da violência psicológica, e às vezes física, para atingirem aqueles que o(a) ignoraram.

A problemática do crime de stalking vai muito além de um “simples incômodo”. Na verdade, o delito de perseguir traduz-se com atitudes doentias que passam a limitar a vida das vítimas, que se sentem acuadas até mesmo para saírem de suas casas e viverem suas vidas cotidianas, pois passam a temer as aproximações insistentes de seus agressores. O stalking destaca e ofende um dos principais princípios constitucionais do ser humano: a liberdade. A forma com a qual o(a) agressor(a) expõe, até mesmo de forma on-line, através das redes sociais (cyberstalking), acaba por difamar e prejudicar suas vítimas, que se sentem expostas por alguém com quem sequer têm intimidade.

O delito, agora tipificado no Código Penal, pode levar uma pessoa, quando condenada, a uma pena que varia de seis meses a dois anos de reclusão, podendo essa pena chegar a quatro anos se for cometida contra criança/adolescente, mulher ou idoso ou com uso de arma de fogo. Por enquanto, o crime possui uma abordagem embrionária, sendo necessário que juristas de todos os âmbitos, sejam advogados, autoridades policiais, juízes, serventuários da Justiça como um todo, estudem e consigam, ao ouvir o relato da vítima, identificar com precisão, a fim de que não haja subnotificação, ou seja, falta de registros precisos dos casos.

Com a evolução da internet, o que se pode esperar é que a modalidade do cyberstalking seja uma prática cada vez mais comum, em especial pela falsa sensação de impunidade que perfis “fakes” nas redes podem gerar aos possíveis stalkers. Para as vítimas, a orientação principal é que, ao identificarem estarem sendo perseguidas, seja de forma física ou virtual (ou ambas), procurem a delegacia mais próxima para registrar a ocorrência, por meio de um Boletim de Ocorrência, em que conste o delito de perseguição e outros que eventualmente tenham sido cometidos em conjunto (comumente o crime de ameaça é cometido de forma conjunta). Ao registrar o BO, a vítima pode procurar um advogado para requerer judicialmente outras medidas em desfavor de seu agressor(a), como, por exemplo, as medidas cautelares, com eventual prisão.

(*) Vitória Junqueira Cândia é advogada especializada em Direito das Famílias e em casos de stalking, proprietária do escritório Junqueira & Cândia Advocacia

 

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