O óbvio ululante também precisa ser dito
Vivemos em um mundo onde a informação é abundante, mas a clareza é rara. Em meio a debates acalorados, ruídos nas redes sociais e sobrecarga de estímulos, muitas verdades evidentes acabam soterradas pelo excesso de narrativas, ideologias e interpretações. É nesse contexto que se torna essencial reafirmar o que, à primeira vista, parece óbvio. Como dizia Nelson Rodrigues, o “óbvio ululante” – aquilo que deveria ser inquestionável e autoevidente – ainda assim precisa ser dito.
O problema do óbvio esquecido
Por que é necessário verbalizar aquilo que, teoricamente, todos já sabem? A resposta está na forma como lidamos com a informação. Muitas vezes, o que é claro para um grupo pode ser completamente ignorado por outro. Além disso, as verdades mais simples são frequentemente esquecidas ou distorcidas quando deixadas de lado por tempo demais.
Um exemplo clássico é o valor do trabalho bem feito. Todos sabem que esforço e dedicação são fundamentais para o sucesso, mas, ainda assim, vemos discursos que tentam minimizar essa relação, exaltando atalhos e fórmulas mágicas. Da mesma forma, sabemos que relacionamentos saudáveis exigem respeito e diálogo, mas quantas vezes vemos pessoas insistindo em relações tóxicas sob a ilusão de que o amor, sozinho, basta?
O risco da omissão
Quando deixamos de dizer o óbvio, abrimos espaço para a dúvida e a desinformação. Se ninguém reafirma verdades simples, elas se tornam vulneráveis a interpretações errôneas. Veja a ciência: durante séculos, ninguém questionava que a Terra era redonda, mas, ao longo dos últimos anos, o terraplanismo ressurgiu justamente porque o óbvio foi negligenciado e, com isso, ideias absurdas encontraram terreno fértil.
No campo dos sentimentos, o mesmo acontece. Todos sabem que ninguém deve aceitar menos do que merece, mas a repetição incessante de padrões destrutivos faz com que muitas pessoas duvidem disso. É por isso que lembrar constantemente do óbvio – “você merece respeito”, “seus sentimentos são válidos, mas suas ações têm consequências” – não é um mero detalhe, mas uma necessidade.
O poder da reafirmação
Dizer o óbvio não significa subestimar a inteligência de ninguém. Pelo contrário, é um ato de responsabilidade. Grandes líderes e comunicadores entendem que repetir verdades fundamentais é crucial para que elas se fixem. Professores, por exemplo, reforçam conceitos já ensinados porque sabem que a repetição fortalece o aprendizado.
No cotidiano, a reafirmação do óbvio pode ser um gesto de cuidado. Dizer “eu te amo” para alguém querido pode parecer redundante, mas faz toda a diferença. Lembrar alguém de que “você é capaz” pode parecer dispensável, mas, para quem está em dúvida, pode ser o impulso necessário para seguir em frente.
O óbvio ululante precisa ser dito porque, no barulho do mundo, até as verdades mais evidentes podem se perder. Seja na vida pessoal, nos relacionamentos ou na sociedade, reafirmar princípios essenciais é um dever. Não é questão de insistência desnecessária, mas de garantir que aquilo que realmente importa nunca seja esquecido. Afinal, como bem sabia Nelson Rodrigues, o óbvio só é ululante para quem está disposto a enxergá-lo.
(*) Cristiane Lang é psicóloga clínica, especialista em Oncologia pelo Instituto de Ensino Albert Einstein de São Paulo.
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