Olhando para o vizinho, por Ricardo Trad Filho
A Folha de São Paulo do dia 02 de agosto traz artigo com o título “colarinho branco: o mistério dos honorários”.
Seria mera coincidência ou não? Que justamente neste dia, começou o julgamento do caso mais emblemático da história recente da República? O famoso “mensalão”. Vale a pergunta: o autor do texto pretenderia (ou pretende) atrair para si os holofotes? Creio que a pergunta prescinde de respostas.
O texto – e não artigo -, pois de científico nada tem, tampouco de esclarecedor -, pretende levar ao público a falsa e pérfida ideia de que o pagamento dos honorários advocatícios dos réus no processo do mensalão estaria sendo efetivado com dinheiro ilícito, e, por isso, segundo a ótica torta do seu autor, os advogados poderiam ser processados por crime de lavagem de dinheiro!!
Como é que isso?
Sua Excelência quer colocar no mesmo envelope acusado e advogado, como se os dois, irmanados, estivessem a conspirar contra as instituições e tapear a Justiça. Respeite-a Senhor Magistrado. Respeite a nobre Instituição da qual Vossa Excelência faz parte.
Respeite a jurisdição “eminência”. Quem a provoca são os advogados. Respeite o Ministério Público, que em certos casos também a instiga mediante propositura de ações. Deixe suas paixões e suas idiossincrasias de lado, e tente, pelo menos tente, não custa tentar, enxergar a advocacia na mesma medida daquilo que está no texto constitucional: “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos, nos limites da lei”.
Não queira sujar, com seu olhar equivocado de catedrático da moralidade, o digno Poder Judiciário do país, que através de sua mais alta Corte começará a julgar, hoje, um dos processos mais importantes da nossa história democrática.
“Cego” é Vossa Excelência, que a pretexto de chamar a advocacia de “corporativista”, enreda-se num texto sem premissa, sem meio e sem fim.
Respeite a Constituição Federal... O Estado Democrático de Direito... Respeite os cidadãos brasileiros e diga amém a quem lhe paga seus salários, ao invés de ficar de olho “na vida do seu vizinho”, a quem o senhor deveria dispensar, senão cortesia, no mínimo, respeito.
O senhor quis hoje dar um soco na advocacia brasileira, e por consequência na cidadania.
O senhor quis hoje dar um soco na própria instituição de que faz parte e no Ministério Público também, lembrando que advocacia, magistratura e promotoria formam o tripé sem o qual a Justiça não opera e não funciona.
É faltar quaisquer dos três, e seremos como Cuba ou a Coréia Norte, eminentíssimo.
Não entro sequer no mérito do seu texto, apenas para não permitir que o senhor atinja seu objetivo, que é o de “trazer o tema à discussão”.
A advocacia repudia seu texto, e no mês (agosto) em que se comemoram os festejos nossos – dos advogados e advogadas do país -, Vossa Excelência, sem querer, nos faz lembrar com mais intensidade que não devemos, jamais, fraquejar na defesa das instituições e do Estado Democrático de Direito, sob pena de que vozes tiranas abalem seus alicerces e suas tradições.
(*) Ricardo Trad Filho é advogado, conselheiro seccional da OAB/MS e vice-presidente da Comissão de Fiscalização de Honorários Advocatícios da mesma instituição.
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