A ferida do abandono
O abandono é uma das experiências emocionais mais dolorosas que um ser humano pode enfrentar. Não importa se ocorre na infância, na vida adulta, em um relacionamento amoroso ou em um momento de crise — a sensação de ser deixado para trás pode criar uma ferida profunda, que muitas vezes carregamos por toda a vida. Essa ferida, silenciosa e invisível, molda nossas relações, nossa autoestima e a maneira como enxergamos o mundo.
O que é o abandono?
Abandono não significa apenas ser deixado fisicamente. Ele pode ser emocional, quando sentimos que alguém importante para nós não está presente, mesmo estando ao nosso lado. É aquele vazio que surge quando não nos sentimos vistos, valorizados ou amparados por quem esperávamos apoio e cuidado.
Na infância, o abandono pode surgir quando os pais ou cuidadores não conseguem oferecer atenção, segurança ou carinho, seja por ausência física, seja por falta de disponibilidade emocional. Já na vida adulta, pode acontecer em relações de amizade, familiares ou amorosas, quando nos sentimos ignorados, rejeitados ou substituídos.
As cicatrizes deixadas pelo abandono
A experiência do abandono pode deixar marcas profundas. Algumas das consequências mais comuns incluem:
Baixa autoestima: Quem foi abandonado frequentemente internaliza a ideia de que não é suficiente. A pergunta “Por que não fui escolhido?” ou “O que há de errado comigo?” pode ecoar por anos, minando a confiança em si mesmo.
Medo da rejeição: Muitas pessoas que enfrentaram o abandono desenvolvem um medo constante de serem rejeitadas novamente. Esse medo pode levar a comportamentos como apego excessivo ou dificuldade em se abrir emocionalmente.
Desconfiança nas relações: O abandono ensina a mente a estar em alerta para sinais de que alguém possa nos deixar novamente. Isso pode tornar difícil confiar em outras pessoas ou se entregar plenamente a um vínculo.
Sentimento de vazio: O abandono pode criar uma sensação crônica de solidão ou um vazio interno difícil de preencher, mesmo quando estamos cercados por pessoas.
Busca incessante por aprovação: Quem carrega a ferida do abandono pode tentar compensar essa dor buscando constantemente ser aceito, agradar ou ser necessário para os outros, muitas vezes ignorando as próprias necessidades.
Como essa ferida se manifesta na vida adulta
Mesmo que o abandono tenha ocorrido em um passado distante, suas consequências podem se manifestar de várias formas na vida adulta. Você já se viu evitando se aproximar de alguém por medo de ser rejeitado? Ou ficou em um relacionamento tóxico apenas para evitar o sentimento de ser deixado? Essas são expressões da ferida do abandono.
Às vezes, ela se manifesta em forma de ciúmes excessivos, necessidade constante de validação ou até em padrões de autossabotagem, como abandonar os outros antes que eles tenham a chance de nos deixar. É como se a mente tentasse nos proteger de uma dor já conhecida, mas, na verdade, acabasse repetindo o ciclo do sofrimento.
É possível curar a ferida do abandono?
Sim, mas é um processo que exige coragem, paciência e, muitas vezes, ajuda profissional. Curar-se do abandono não significa apagar a dor do passado, mas aprender a ressignificar essa experiência para que ela não nos defina.
Aqui estão algumas formas de começar:
Reconheça a dor: Admitir que você foi ferido é o primeiro passo. Não minimize ou negue seus sentimentos. Permita-se sentir, sem culpa ou vergonha.
Reforce sua autoestima: Lembre-se de que o abandono sofrido não é um reflexo do seu valor como pessoa. Trabalhe em práticas que fortalecem sua autoconfiança e ajudem a construir uma visão mais positiva de si mesmo.
Desenvolva autonomia emocional: Aprenda a se nutrir emocionalmente, em vez de depender exclusivamente dos outros para preencher suas lacunas. Isso não significa isolar-se, mas construir uma base interna sólida.
Busque apoio profissional: Terapia é uma ferramenta valiosa para identificar os padrões de pensamento e comportamento associados ao abandono e para trabalhar na reconstrução emocional.
Confie aos poucos: Abra-se gradualmente para o mundo. Construir novas conexões e permitir-se confiar novamente pode ser assustador, mas é essencial para superar o medo da rejeição.
Transformando a ferida em força
Embora a ferida do abandono seja dolorosa, ela também pode nos ensinar sobre resiliência e autocuidado. Aprender a lidar com a solidão, a valorizar a si mesmo e a encontrar significado além das relações externas são lições que emergem desse processo de cura.
Quando começamos a nos libertar do peso do abandono, descobrimos que somos inteiros por conta própria. As pessoas podem ir e vir, mas nosso valor e nossa essência permanecem intactos. A verdadeira cura não é esperar que nunca mais sejamos deixados, mas sim entender que, mesmo que isso aconteça, continuaremos a ser suficientes.
A ferida do abandono pode ser profunda, mas não é insuperável. É possível ressignificar o passado, fortalecer-se no presente e construir um futuro onde você, finalmente, se sinta pleno — consigo mesmo e com os outros.
(*) Cristiane Lang é psicologa clínica
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