Outubro Rosa é pouco
Segundo o Inca, em 2018, o câncer de mama matou 17,5 mil mulheres e 189 homens no Brasil. Em 2020, a estimativa é que 66 mil novos casos de câncer de mama sejam diagnosticados. Se detectado precocemente, seu tratamento será menos agressivo e com maior potencial curativo. Mas o diagnóstico precoce depende de exames, e estes dependem de equipamentos e pessoal especializado. A Lei 12.732/2012 previa 60 dias entre o diagnóstico e o início do tratamento do câncer em pacientes do SUS. O prazo foi alterado para 30 dias, recentemente.
Ora, lei não cria realidade. O Instituto Oncoguia diz que 60% dos casos de câncer no Brasil só são descobertos em estágio avançado. Sem orçamento, equipamentos e pessoal, a Lei é inócua.
Por outro lado há uma insólita glamurização do câncer de mama: mulheres em tratamento publicam nas redes sociais fotos em que aparecem lindas e sorridentes, ao lado de uma competente equipe multidisciplinar (médicos, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos, “personal trainer” etc.), vestindo lindas roupas e usando adequadas perucas ou uma rica coleção de lenços e turbantes.
Ora, a realidade é a mulher que não tem plano de saúde e depende do SUS; que diagnosticada não consegue marcar a cirurgia; que após a cirurgia entra em nova fila para o tratamento complementar e que ao final não consegue adquirir a medicação oral que deve ser tomada em geral por 10 anos. É a mulher que entra em licença médica, tem seu ganho reduzido justamente quando as despesas aumentam , tem de dar conta do trabalho doméstico e não tem qualquer chance de receber atendimento multidisciplinar. Casos há em que não pode ir ao hospital receber tratamento porque lhe falta até o dinheiro da condução, já que o vale-transporte só é fornecido a quem está trabalhando.
Tanto a ineficiência do Estado quanto a glamurização terminam por ser formas de violência contra a mulher, já que dela é exigido não apenas que supere a dor e o medo causados pela incompetência estatal, como faça isto com um sorriso confiante e charmoso. Só o Outubro Rosa não nos salvará. Palavra de sobrevivente.
(*) Elza Galdino é advogada e sobrevivente de câncer de mama