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Tudo que é vivo, morre: por que a morte ainda é um tabu?

Por Cristiane Lang | 13/09/2024 08:28

A morte é a única certeza que temos desde o momento em que nascemos. Todos os seres vivos, sem exceção, passam por esse ciclo inevitável. No entanto, apesar de sua inevitabilidade, a morte ainda é cercada de mistério, medo e silêncio. Ela permanece um dos maiores tabus da sociedade, algo que raramente é discutido de forma aberta, como se fosse possível evitar o fim ao evitar o tema. Mas por que a morte continua a ser um tabu tão grande, mesmo sendo parte essencial da vida?

O medo do desconhecido

Um dos principais motivos pelos quais a morte ainda é tabu é o medo do desconhecido. A experiência de morrer, o que acontece após a morte — se é que algo acontece — e o fim da consciência são questões que a humanidade debate há milênios, mas sem respostas definitivas. Filosofias, religiões e ciências buscam explicar o que vem depois, mas até hoje não há uma única verdade universalmente aceita. O que nos espera no pós-vida, se é que há algo, continua um mistério insondável. Esse mistério gera angústia e desconforto.

Ao falar sobre a morte, somos forçados a encarar nossa própria finitude, algo que, por natureza, nossa mente tende a rejeitar. O medo de perder o controle, de deixar de existir, é uma das maiores angústias humanas, e a maneira mais fácil de evitá-la é simplesmente não falar sobre ela.

A cultura da juventude e a negação da finitude

Vivemos em uma cultura que glorifica a juventude e o "para sempre". Somos bombardeados com imagens e narrativas que exaltam a beleza eterna, a longevidade e a vitalidade, como se a morte pudesse ser adiada ou até evitada por completo. Cirurgias plásticas, tratamentos estéticos e a obsessão com o "anti-envelhecimento" são reflexos dessa tentativa de negar a passagem do tempo.

Essa valorização da juventude faz com que a velhice e, por consequência, a morte, sejam vistas como algo indesejável, como um fracasso a ser evitado. Assim, a morte torna-se algo para ser ignorado ou escondido. Não é à toa que, nas sociedades modernas, os rituais fúnebres se tornaram mais privados, quase invisíveis. Morte e envelhecimento foram empurrados para as margens, tornando-se assuntos incômodos.

O individualismo e a perda de conexão com o ciclo natural

Em tempos antigos, a morte era encarada como uma parte inevitável do ciclo natural. Viver em estreito contato com a natureza, entender o nascer e o morrer das colheitas, dos animais, dos próprios membros da comunidade, tornava a morte algo mais palpável e compreensível. Hoje, com o afastamento da vida natural e o predomínio do individualismo nas sociedades modernas, a morte parece uma interrupção indesejada, quase um "erro" no fluxo da vida.

O individualismo também contribui para o medo da morte porque valoriza a independência e o controle. A morte, sendo o maior símbolo de falta de controle, desafia essa noção de autonomia. Ao morrer, perdemos não apenas o controle sobre o nosso corpo, mas também o poder de moldar nossa própria existência. Em uma sociedade que valoriza tanto a independência, essa perda é difícil de aceitar.

O sofrimento associado à morte

Outro fator que contribui para o tabu em torno da morte é o sofrimento associado a ela. Não apenas o medo da dor física, mas o impacto emocional que a morte de um ente querido tem sobre aqueles que ficam. O luto é uma experiência profunda e devastadora, e a ideia de ter que enfrentar essa dor faz com que muitas pessoas evitem o tema. O sofrimento é uma das maiores razões pelas quais a morte é vista como algo sombrio e trágico, mesmo que seja parte natural do ciclo da vida.

Além disso, na sociedade moderna, a morte foi institucionalizada. A maioria das pessoas morre em hospitais, longe de seus entes queridos, o que torna o processo de morrer mais frio e menos humanizado. Isso cria uma desconexão emocional, onde a morte é percebida como algo técnico e distante, em vez de um evento natural e comunitário.

A falta de preparação e discussão aberta

Em muitas culturas, especialmente nas ocidentais, evitamos falar sobre a morte de forma prática. Não preparamos as pessoas para lidar com o fato de que elas e seus entes queridos eventualmente morrerão. A falta de educação e conversas abertas sobre o fim da vida torna a morte ainda mais aterrorizante. Quando chega o momento, muitos estão despreparados emocionalmente e logisticamente para lidar com a situação.

Rituais de morte e luto, que antigamente serviam como meios de ajudar as pessoas a processarem essa transição, têm perdido espaço nas sociedades modernas. O foco no trabalho, na produtividade e na rotina rápida deixam pouco espaço para o tempo de reflexão que o luto demanda.

A morte como parte da vida

Para desmistificar a morte, é importante vê-la como uma parte inescapável da vida. Assim como o nascer e o crescer, o morrer faz parte do ciclo natural que todos percorremos. Em vez de encarar a morte como um tabu, precisamos começar a falar sobre ela de forma mais aberta, humana e compassiva. Aceitar que tudo o que é vivo morre nos dá a oportunidade de valorizar mais a vida e de encontrar maneiras mais saudáveis de nos despedirmos e celebrarmos a existência daqueles que se vão.

Ao invés de tratar a morte como algo assustador, podemos aprender a vê-la como um momento de transição. Rituais, conversas e preparação podem ajudar a transformar o medo e o silêncio em aceitação e serenidade. Afinal, o que torna a vida tão preciosa é justamente o fato de que ela tem um fim. A morte nos lembra que cada momento é único e valioso, e que devemos aproveitá-lo com gratidão e plenitude.

(*) Cristiane Lang é psicóloga clínica, especialista em Oncologia pelo Instituto de Ensino Albert Einstein de São Paulo. 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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