Um pacto pela natureza
Nos últimos 60 dias eu desperto ao som das aeronaves de combate ao fogo, Airtractor e helicópteros, no centro do furacão dos focos de calor, Corumbá-MS. Aproximadamente 900 homens dedicados ao combate ininterruptamente, virando turnos de 24 horas.
Os custos devem ultrapassar cerca de 3 milhões diários.
Não temos antecedentes de tanto apoio com brigadistas, helicópteros, barcos e reconhecimento político, especialmente do Governo Federal, da importância de proteger o bioma. Vivemos “extremos climáticos” de forma cada vez mais intensa. O índice meteorológico de perigo de fogo acumulado de 2024, é o maior da história desde 1980, segundo relatório da LASA da UFRJ. As altas temperaturas e a seca extrema, elevaram a disponibilidade de material combustível em toda região. O fogo surgiu e ressurgiu em diferentes lugares, ameaçando e queimando propriedades rurais, cidades, pousadas, gente e vidas silvestres. O fogo mostrou sua força e arrogância diante as limitações humanas.
Inúmeras iniciativas, dos governos federal e estadual, antecederam ao fogo com um enorme planejamento, investimentos e medidas legais. Mesmo assim, o fogo foi imperdoável em alguns lugares. Não falhamos! Apenas estamos lidando com algo sem precedentes. Vivemos um evento climático com escassez hídrica histórica.
A necessidade de reavaliar as estratégias é o único caminho possível e necessário. Ele não pode ser pautado pelo negacionismo ou acusações infundadas. A criminalização tampouco deve ser o único caminho. Atribuir a origem do fogo as reservas, ou áreas protegidas, é um preconceito e zona de conforto para não querer entender o momento climático atual. Estas áreas protegidas representam menos de 5% do bioma. Numa análise preliminar, as causas passam pela necessidade de mudar uma cultura local, a exemplo de usar o fogo para queima de lixo, espantar mosquitos e a extração de mel. Estas práticas são comuns ainda hoje. A origem do fogo em fazendas não são uma prática comum, pois ao perder o controle, significa prejuízo na queima de cercas, mangueiro etc.
A necessidade de sentarmos a mesma mesa, a exemplo da elaboração da “Lei do Pantanal “, é o único caminho possível de criarmos condições para este enfrentamento. A recente aprovação da nova Lei de Manejo do fogo, inspirada na experiência dos manejos tradicionais, representa um avanço importante diante da proibição radical.
Devemos revisitar nosso planejamento para buscar aprimoramento para os próximos combates. Redefinir bases, meios de acesso e aprimorar o uso de tecnologia, otimizando os recursos disponibilizados. A maior oportunidade e desafio está na necessidade de melhorarmos “o tempo de resposta” ao início do fogo. Estamos lidando com um território gigantesco sem estradas. Outro ponto a ser avaliado é que devemos ter quase 1 milhão de hectares sem gado e sem gente por inúmeras razões. Estas áreas, sem nenhum tipo de manejo, favorecem ao acúmulo de material propício há propagação do fogo.
Podemos evoluir nesta batalha, se pautarmos todas iniciativas com o mesmo propósito, o de fato proteger este bioma com todos os que tem este compromisso, e respeitando o propósito de cada um, no do uso da terra. A chuva necessária chegou de forma a renovar nossas forças e uma pequena trégua, pois teremos extremos de calor nas próximas semanas. Ela nos da a oportunidade de sermos melhores, afinal, “somos todos devedores destas águas”.
(*) Coronel Ângelo Rabelo é conservacionista e presidente do Instituto Homem Pantaneiro.
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