Fruta madura; pé ficou cheio delas
Aconteceu de as goiabas nascerem antes do tempo e o pé ficou cheio delas. Ou já era primavera e ninguém sabia. Raul olhou para o pé e tentou subir nas últimas galhadas, lá estavam as mais maduras. Marcelo ficou no chão, tinha medo de altura. De repente, Raul escorregou e caiu lá de cima, ralou a perna num galho, rasgou a calça e o sangue jorrou. Foi para casa chorando, sem conseguir falar. Marcelo ficou olhando para o pé de goiaba, uma vontade louca de subir, mas o medo não deixava.
Ramona surgiu de repente. Trazia na testa uma marca de ira:
- Você bateu no meu irmão?
Marcelo sentia medo de quase tudo. De Ramona, muito mais. Se conheciam da escola, uma relação repleta de olhares conflituosos.
Ela se modificou de um ano para o outro, num instante já era bem-apanhada, os volumes todos crescidos. Marcelo era franzino, mãos finas, ranho no nariz permanente. Nunca esqueceu o dia chuvoso que
Ramona alisou seus cabelos e disse alguma coisa sobre como brilhavam, que gostava, que loiro era bonito, logo ele que nem loiro era.
- Não bati. Ele subiu para apanhar as goiabas e caiu.
Ramona olhou para o pé de goiaba, se deteve nos últimos galhos.
- Você está mentindo! É muito fácil subir.
- Eu não...
Marcelo tremeu, ficou quieto. Ramona tirou o chinelo e num instante subiu no pé de goiaba. As folhas da árvore pareciam reclamar, zuniam de um lado para o outro, ora e vez aparecia os braços e parte das pernas de Ramona.
- Venha me ajudar – pediu ela.
Ele criou repentina coragem, avançou até o tronco principal da árvore.
Mas, quando olhou para cima, percebeu que a blusa de Ramona voava soprada pelo vento. E bem lá dentro da blusa a carne inchava, duas magnificas peras da cor jambo, duras, rijas, balançando de encontro uma da outra. Uns pelinhos ralos no umbigo, um tanto a mais nas axilas e os olhos do menino emudeceram, sem se mexer.
De repente Ramona olhou para baixo e deu de frente com o rosto petrificado de Marcelo enxerindo nas suas coisas escondidas.
Deu um salto, agarrou outro galho, tentou colar a blusa ao corpo.
Desceu rapidamente, trazendo um par de goiabas maduras nas mãos.
Marcelo encarava as cascas do tronco da goiabeira como se não houvesse mais ninguém por perto.
Ramona se postou diante dele sem nada dizer, a respiração acelerada, o cheiro azedo no corpo, não tanto azedo, um cheiro que Marcelo nunca havia sentido. Colocou as goiabas no chão, aproximou-se e abraçou-o com força, a voz trêmula.
- Já viu, agora sinta.
Apertou, apertou. Marcelo sentiu algo crescendo dentro dele. De dentro da cabeça de Ramona escorriam o suor quente, Marcelo com os olhos arregalados, Ramona olhos fechados. Ele percebeu quando as mãos da moça apanharam as suas e as puxaram para a sua cintura, que balançava devagar. Sentiu vontade de chorar, sair correndo, mas as pernas não obedeciam ao que os olhos mandavam.
O fôlego de Ramona ardia, a respiração no mesmo ritmo do aperto de braços, os lábios dela estavam tão perto, quase dava para sentir a umidade.
Marcelo gemeu de leve, uma dor gostosa nunca sentida. Os olhos fechados de Ramona aos poucos se abriram e ela finalmente amoleceu.
Foi embora correndo, sem olhar para trás.
Marcelo apanhou as duas goiabas nas mãos, alisou-as, apalpou-as, enquanto na mente assoviava o som do vento abalando as folhas, zunindo imagens para sempre, o esplendor da magnífica primeira visão, a fruta madura, dançando dentro de uma blusa pendurada entre os galhos da árvore.
André Alvez
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