Alegando "confronto", polícia matou dobro de suspeitos em comparação com 2022
Um deles era usuário de drogas, dormia e, segundo a PM, tinha uma faca quando foi morto com dois tiros
Somente nos últimos seis dias de novembro, oito suspeitos de crimes foram mortos em supostos "confrontos" com a Polícia Militar de Mato Grosso do Sul. No mês mais letal do ano para a PM, foram registrados ao todo 19 mortes por intervenção de agentes do Estado. Antes, o maior número era de fevereiro, com 17 casos.
Mas o ano todo foi sangrento nesse sentido, com o dobro de óbitos de 2022, sendo 113 no total, o que representa cerca de 25% do total de assassinatos em ações policiais registrado no ano passado em todo o estado de São Paulo, que tem 13 vezes mais habitantes.
O último caso deste mês em Mato Grosso do Sul foi registrado na madrugada desta quinta-feira (30). O homem suspeito de agredir a companheira, identificado apenas pelo primeiro nome, Jean, estava armado com uma faca e na versão da polícia conseguiu tomar a arma de um dos militares do Batalhão de Choque. Ele acabou morto ao ser atingido por dois tiros.
Vídeo feito por moradores do condomínio onde Jean morava, no Jardim Canguru, em Campo Grande, mostra o desespero da esposa dele. "Vocês já mataram meu marido", diz a mulher. A mãe dela foi quem acionou a polícia, afirmando que a filha estava correndo risco de vida. Segundo o boletim da PM, Jean estava "completamente perturbado como se estivesse usado algum tipo de estimulante".
Em quase metade dos últimos casos, os suspeitos estavam armados apenas com faca e, mesmo assim, a justificativa é que ofereceram risco à guarnição armada com pistolas, conforme os boletins de ocorrência. Contudo, mesmo nos casos em que os suspeitos estavam em posse de arma de fogo e, supostamente, houve troca de tiros, nenhum agente ficou ferido.
Avaliação da Anistia Internacional no Brasil é de mortes de suspeitos não representa política de segurança pública adequada e não reduz a criminalidade. Em casos de alta letalidade a recomendação é repensar as estratégias de ação da polícia para que isso não se repita. A ação de combate ao crime deve ser planejada de forma a proteger e preservar a vida de todas as pessoas, inclusive aquelas envolvidas em atos ilícitos".
Pistola X faca - Caso mais intrigante foi registrado no Jardim Sayonara, na Capital. No dia 27 de novembro, Edileu Ramalho Floriano Júnior foi abordado por militares do Choque enquanto dormia em uma construção abandonada. Conforme descrito em boletim de ocorrência, "Marlboro", como era conhecido, estava empunhando uma faca e partiu para cima de um dos militares. Com isso, a equipe revidou e o atingiu. O registro fala apenas em "equipe", sem falar a quantidade de policiais envolvidos na abordagem.
Sempre que alguém morre durante ação policial, a primeira informação repassada é sobre a ficha criminal do alvo. No caso de Edileu Ramalho, o histórico teria iniciado aos 15 anos. Mas nenhuma das ocorrências citadas pela própria PM é de atentado à vida, a mais grave é de furto. Ele foi pego com drogas, dirigindo sem CNH e pilotando moto furtada, por exemplo. Também tem anotações de violação de domicílio, mas nunca foi condenado e não respondia a processos criminais.
Na terça-feira, a Polícia Militar Rodoviária também alegou confronto e matou três velhos conhecidos das forças de segurança por assaltos à mão armada. Durante tentativa de roubo de caminhão guincho, em Sidrolândia, um deles teria feito o motorista de escudo humano. Mesmo assim, foi atingido no peito.
A arma encontrada com ele está registrada em nome de um policial militar, que teria sido furtada. Os policiais contaram que o homem soltou o refém e ameaçou disparar quando foi atingido. Depois, os outros dois comparsas estavam em matagal, quando também foram mortos.
Dados da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública) mostram que, em 2023, das 113 pessoas mortas por "intervenção de agente do estado" - 50 foram em Campo Grande e 63 no interior do Estado. No ano passado, foram 51 casos. O número engloba todas as polícias de Mato Grosso do Sul - não só a militar.
Os meses com maior incidência este ano são fevereiro, abril e novembro, segundo tabela da Segurança Pública. Antes, o ano com maior número de casos foi 2019, com 70 mortes, bem inferior ao registrado até agora.
É o contrário do que ocorre no Brasil, onde houve um recuo no último ano. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, 6.430 pessoas morreram em ações policiais, 1% a menos que em 2021.
Em dez anos - Desde 2013, foram 469 mortes em decorrência de intervenção policial em Mato Grosso do Sul. Destas, 411 são homens, 6 mulheres e 52 com sexo não informado. Em maioria dos casos, as vítimas são jovens (232) e em segundo os adultos (151).
Também segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, em 2022, São Paulo e Santa Catarina conseguiram diminuir a letalidade policial depois de investirem em câmeras corporais para os agentes. Mas em Mato Grosso do Sul não há intenção de tomar essa medida em curto prazo, conforme a Secretaria de Justiça e Segurança Pública.
O Campo Grande News enviou pedido de posicionamento ao comando da Polícia Militar de MS, apresentando três questionamentos, sendo eles: os policiais garantem que agiram em legítima defesa? Em alguns casos, não seria necessário um tiro de advertência / não letal? Quantos policiais foram feridos nos confrontos este ano?
A assessoria respondeu que o efetivo da PMMS é "altamente capacitado e orienta suas ações com base nos princípios da legalidade, razoabilidade e necessidade". Também informou que nos casos de homicídio ou lesão corporal decorrentes de oposição a intervenção policial é instaurado Inquérito Policial Militar para apurar as circunstâncias.
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