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Cidades

Reconhecimento afetivo de filhos por pais cresce 24% em Mato Grosso do Sul

Comprovar ligação de afeto com o filho não biológico permite ter nome nos documentos, direitos e deveres

Por Cassia Modena | 11/08/2024 07:40
Adriano, Antônio e Estevom sempre formaram família na prática, mas oficializaram isso há 7 anos (Foto: arquivo pessoal)
Adriano, Antônio e Estevom sempre formaram família na prática, mas oficializaram isso há 7 anos (Foto: arquivo pessoal)

Antônio era um bebê de 11 meses quando chegou à família até então formada pelo dentista Estevom Molica e o empresário Adriano de Oliveira, em Campo Grande. Eram dois, viraram três.

O ano era 2004. Tanto a união homoafetiva quanto a adoção por casais como Estevom e Adriano ainda não eram reconhecidos como direitos no Brasil. Mas, a juíza que autorizou a adoção de Antônio conseguiu achar uma brecha para a criança ser registrada como filho dos dois.

Só que Adriano preferiu esperar. Decidiu que sua paternidade seria impressa nos documentos apenas quando o filho pedisse.

Enquanto isso, constaram na certidão como pais, Estevom, quem deu entrada no processo de adoção, e a mãe biológica de Antônio, que morreu após seu nascimento.

Antônio quando tinha menos de 1 ano de idade, e foi adotado pelo casal (Foto: arquivo pessoal)
Antônio quando tinha menos de 1 ano de idade, e foi adotado pelo casal (Foto: arquivo pessoal)

O empresário não havia enfrentado nenhum impedimento de exercer a paternidade socialmente até precisarem ir juntos à São Paulo (SP), fazer um tratamento de saúde. Com o voo cancelado no Aeroporto de Guarulhos, os dois tiveram que ficar sentados por horas, até o próximo avião pousar. Demorou.

Antônio tinha 12 anos e viu todos os passageiros irem para um hotel pago pela companhia aérea, menos ele e o pai.

"E veio a pergunta: 'Pai, todo mundo está indo. Por que a gente não vai também?'. Foi aí que eu expliquei que precisava de autorização para isso, por eu não aparecer como pai nos documentos dele. Na hora, ele já pediu para resolvermos isso", lembra Adriano.

Reconhecimento - Assim que voltaram a Campo Grande, os três foram a um cartório fazer o reconhecimento da paternidade socioafetiva por parte do empresário. Foi feito o que faltava em questão de 30 minutos.

A família na formatura de Antônio no Ensino Médio; hoje ele é estudante de Medicina (Foto: arquivo pessoal)
A família na formatura de Antônio no Ensino Médio; hoje ele é estudante de Medicina (Foto: arquivo pessoal)

"Foi uma espera terrível para o Adriano, mas ele teve um gesto de muito amor. Quis ouvir antes, nunca cavou esse pedido. Esperou que o Antônio se expressasse", admira o companheiro.

Aquele dia foi inesquecível. "Maravilhoso, não tinha sentido essa emoção que o Estevom sentiu lá atrás. Demarcamos a existência desse afeto, da educação que eu já dava", diz Adriano.

24% - O número de reconhecimentos de paternidade socioafetiva cresceu 24% nos cartórios de Mato Grosso do Sul entre 2022 e 2023, segundo dados da Arpen-MS (Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais de Mato Grosso do Sul).

Nesses locais, apenas adolescentes a partir dos 12 anos podem ser reconhecidos por pais adotivos como Adriano e por madrastas e padrastos que comprovarem ter vínculo afetivo com os filhos. O mesmo vale quando os filhos já são maiores de 18 anos.

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Outro detalhe importante, é que pais ou mães biológicos que estiverem vivos precisam autorizar o reconhecimento da maternidade ou paternidade socioafetiva.

Tabelião do 9º Ofício de Campo Grande, Lucas Zamperlini explica que o processo leva menos de um mês para ser concluído, em média. "São entregues as provas e documentações, é feita uma entrevista, o caso é enviado ao Ministério Público Estadual e é feita a averbação e a emissão da nova certidão de nascimento", lista.

O reconhecimento em cartório fica em torno de R$ 150 em Mato Grosso do Sul, atualmente. O valor varia entre os estados.

Pais ou mães socioafetivos reconhecidos em cartório têm "os mesmos direitos e deveres" que os biológicos, frisa o tabelião.

Judicialmente - O reconhecimento também pode ser feito judicialmente. A alternativa é mais procurada quando o filho é menor de 12 anos ou existe algum conflito que complica o processo.

Está no Código Civil de 2002 a base que sustenta o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva legalmente, explica a advogada especialista em Direito de Família e Sucessões, Marla Diniz Brandão, que atua num desses casos no Estado.

Trecho da legislação reconhece que o afeto é o que dita a relação entre pais, mães e filhos. "Ou seja, não resulta necessariamente, do vínculo genético. Com isso, pode-se dizer que o vínculo socioafetivo entre pai e filho deve prevalecer em relação à verdade biológica", diz Marla.

A advogada Marla Diniz, que atua em um pedido de reconhecimento judicial (Foto: arquivo pessoal)
A advogada Marla Diniz, que atua em um pedido de reconhecimento judicial (Foto: arquivo pessoal)

Para entrar com uma ação, é preciso comprovar a ligação não sanguínea demonstrando comportamentos sociais e participação na vida do filho com a ajuda de testemunhas e fotos, continua a advogada.

O reconhecimento judicial tem os mesmos efeitos que o do cartório e são iguais aos dos pais biológicos. "Assim, ficam garantidos os direitos como o recebimento de pensão alimentícia, a convivência familiar, a guarda e também a herança", ela exemplifica. Feito isso, nenhuma instituição pública ou privada pode se recusar a reconhecer os direitos e obrigações.

O pai socioafetivo ou a mãe, não podem voltar atrás da decisão e ser excluídos dos documentos oficiais. Somente a Justiça pode analisar e autorizar exceções.

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