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Cidades

Na base do contrabando, óleo de cannabis é usado sem controle ou receita

Vindo do Paraguai ou produzido de forma artesanal, o efeito pode ser pior que as causas a serem combatidas

Por Jéssica Fernandes | 22/05/2024 08:23
Óleo de cannabis sem receita médica pode trazer impactos no sintomas de doenças. (Foto: Freepik)
Óleo de cannabis sem receita médica pode trazer impactos no sintomas de doenças. (Foto: Freepik)

Ansiedade, insônia, dores crônicas, até Alzheimer e autismo... O leque de doenças que hoje são tratadas com o óleo de cannabis é grande. Com a prescrição de um profissional, o medicamento já se provou eficaz no controle e alívio dos sintomas. Mas, sem o acompanhamento médico, esse e outros produtos à base da cannabis podem trazer mais efeitos colaterais do que benefícios. Para Mato Grosso do Sul, o problema aumenta pela facilidade da compra no Paraguai.

No Brasil, a venda ou importação do medicamento é realizada somente sob prescrição médica. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) impõem uma série de normas que precisam ser seguidas, por exemplo, a compra do produto de fontes reguladas.

Um dos riscos do comércio ilegal de produtos à base de cannabis ou com ativos de cannabis é que esses produtos não possuem comprovação de qualidade e certificação de origem da matéria prima. Ou seja, a pessoa pode comprar grama como se fosse cannabis.

E a compra facilitada do outro lado da fronteira faz brasileiros usarem o óleo até em cigarros eletrônicos. Em janeiro, a substância foi apreendida em Ponta Porã para esse fim.

Mesmo com as regras rígidas não é difícil conseguir acesso fácil ao canabidiol. No Paraguai, 50 ml do óleo de cannabis é vendido por cerca R$ 80 e tem quem atravesse a fronteira para fechar negócio sem a necessidade de ter a receita em mãos.

"Como é muito complicada a burocracia, peço para um amigo trazer. Uso para a ansiedade", conta servidor público de 45 anos que admite comprar o produto de Pedro Juan Caballero, na fronteira com Mato Grosso do Sul.

A prática, além de ser ilegal, pode trazer danos à saúde. É sobre esse segundo tópico que a médica de Família e Comunidade, Barbara Luíza Rosa, aborda. A automedicação, segundo ela, não é algo que começou especificamente com a produção e venda do CDB.

“Essa automedicação com a cannabis vem de muito tempo e não só do óleo, mas de outras formas de uso. Até o uso recreativo da planta não deixa de ser um autotratamento”, afirma.

Há um ano, a médica prescreve o óleo para o tratamento de pacientes com diferentes diagnósticos, como autismo, parkinson, Alzheimer, epilepsia e dores crônicas. Para cada caso, a médica tem um plano diferente de acompanhamento.

Esse controle, conforme a profissional, é o que faz a diferença no resultado que o canabidiol irá apresentar. “A planta tem várias substâncias que a gente estuda quando faz o plano terapêutico, a gente vai avaliando e dosando as proporções para alcançar o efeito terapêutico e ter o mínimo de efeito colateral”, explica.

Um dos efeitos colaterais do uso indevido do canabidiol é a potencialização do efeito de outro medicamento. “Quando você usa outros medicamentos o óleo pode aumentar o efeito colateral ou potencializar. Esse é outro cuidado que temos que estar tendo”, diz.

Sem o aval de um médico, a pessoa também pode não alcançar o efeito desejado com o CDB. Quem usa sem prescrição  para tratar ansiedade ou insônia, por exemplo, pode ver os sintomas se agravarem.  “Às vezes você queima a possibilidade do medicamento que faria bom efeito, mas com uso indevido você não consegue alcançar essa resposta”, comenta.

Mesmo que o remédio seja derivado de uma planta, a médica da família destaca que devem ser considerados os diferentes componentes da mesma na produção do óleo.

“O acesso ao óleo acaba induzindo as pessoas a enxergarem como algo natural. Tem vários produtos derivados da flor e se você não sabe muito bem qual quer, às vezes, você pode não fazer uma escolha adequada. É importante ter uma orientação. Mesmo o CDB tem toda uma cronologia que a gente faz para o uso, não é tão simples”, frisa.

O que diz a lei - A automedicação deste produto esbarra em outra implicação que é a compra ilegal. O advogado criminalista, Vinícius Rodrigues esclarece alguns pontos da lei brasileira relacionada a compra e importação deste medicamento.

Antes de tudo, ele lembra que desde 2015 a Anvisa autoriza a importação de produtos com canabidiol e em 2019 foi permitida a venda em farmácias de produtos à base de substâncias derivadas da cannabis. Antes da venda existem outras regras que envolvem a fabricação.

“A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº. 327/2019 da ANVISA regula a fabricação e importação desses produtos, exigindo predominância de CBD e no máximo 0,2% de THC, reservando seu uso apenas quando outras opções terapêuticas estão esgotadas”, explica.

Outra resolução, a 660/2022, estabelece critérios para importação por pessoa física exigindo prescrição médica e produtos de fontes reguladas. Por falta de evidências físicas e por considerar riscos de desvios para fins ilícitos, a Anvisa proíbe a importação da ‘Cannabis in natura’ desde junho do ano passado. Além disso, não são consideradas formas adequadas de tratamento de saúde a combustão e inalação.

Independente de como a pessoa irá usar o óleo, o advogado ressalta que é considerado crime de tráfico de drogas ter o produto sem a autorização necessária. No exemplo de quem traz o CDB da fronteira, Vinicius Rodrigues cita que é numa abordagem que a pessoa pode ser pega e ter que responder legalmente.

“Caso haja a abordagem por parte da Polícia Rodoviária Federal ou mesmo de outros órgãos de fiscalização, a pessoa que está transportando o óleo de canabidiol sem autorização ou em desacordo com determinação legal poderá ser processada pelo crime de tráfico de drogas, com pena prevista de 5 a 15 anos”, pontua.

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