Remédio contra malária foi aposta em tempos de gripe espanhola
No começo do século XX, a medicina comemorava seus avanços científicos, as descobertas contra as bactérias, quando o mundo foi surpreendido com uma gripe forte, de ação rápida e avassaladora, que arrasou quase todos os países. Era a gripe espanhola, que, no Brasil, começou em cidades portuárias, como Rio de Janeiro, Salvador e Recife, trazida em navios, chegando depois a São Paulo, no ano de 1918. No mundo, ela matou mais que a Primeira Guerra Mundial, que ocorria desde 1914, somando de 20 a 40 milhões de vítimas.
Como vemos hoje com a Covid-19, causada pelo coronavírus, a população não tinha anticorpos para a doença, não havia tratamentos seguros. De um lado, a medicina científica buscava tratamentos, de outro a medicina popular sugeria remédios caseiros. Assim como com a atual pandemia, também utilizaram medicamento indicado para a malária, na época tratava-se do sal de quinino. Atualmente, a aposta é na cloroquina, que tem a mesma substância.
“...Como preventivo, internamente, pode-se usar qualquer sal de quinino nas doses de 0,25 a 0,50 centígramos por dia, devendo usá-los de preferência no momento das refeições para impedir os zumbidos nos ouvidos, os tremores etc”, era informado à época, como consta no livro “Conselhos ao Povo”: Educação contra a Influenza de 1918. Mesmo sem comprovação científica sobre os resultados, o sal de quinino era distribuído à população, com o alerta de que o uso em excesso poderia causar perda de consciência.
A obra relata que, diante da falta de respostas seguras, apostava-se em uma série de produtos, como pinga com limão, a ponto do produto sumir das prateleiras na cidade, gargarejo de água e sal, consumo de alho, canela, inalação com vaselina mentolada, ou ainda infusões com plantas, contendo tanino. Diante da suspeita de que a doença tivesse relação com as condições climáticas e atmosféricas, aconselhava-se queimar alcatrão para purificar ambientes. Dicas caseiras também na pandemia da Covid-19 circulam nas redes sociais.
Durante a pandemia de 1918, Carlos Chagas assumiu a direção do Instituto Oswaldo Cruz e coordenou as ações sanitárias. Sem respostas seguras para tratamento, coube dotar a cidade de maior número de leitos, fixar regimes de quarentenas e isolamento para os navios que aportavam no país e notificações compulsórias de casos da doença.
Nunca se chegou a uma resposta certeira sobre o surgimento da pandemia. O Brasil se concentrou em estudos para a criação de uma vacina, que acabaram sendo encerrados sem a descoberta da imunização. Estima-se que tenha causado mais de 35 mil mortes no País, no Rio de Janeiro, contaminou três quintos da população, estimada à época em quase 1 milhão de pessoas.
O vírus da influenza, que causa a gripe, só foi isolado em 1933. Em 1944 pesquisadores da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, desenvolveram a primeira vacina contra gripe.
Cloroquina – Apontada como uma grande aposta para tentar frear a evolução da Covid-19, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, destaca a experiência que o Brasil tem com a produção do medicamento, diante do seu uso principal contra a malária. Há ainda a hidroxicloroquina, usada em doenças reumáticas.
Mas por não haver estudos seguros, somente experimentos com alguns doentes, Madetta tem repetido um discurso cauteloso. “Não é panaceia, não vai salvar”. Ele diz que há oferta suficiente do medicamento para fornecer aos serviços de saúde, já tendo sido estabelecido um protocolo de tratamento com duração de cinco dias para pacientes com a Covid-19 em estado grave, não havendo indicação como preventivo ou somente para gripes, a exemplo de outros países.
E expectativa é que o medicamento reduziria a reprodução do vírus, limitando a carga viral e encurtando o período de ação da doença. Também é atribuída à cloroquina uma ação anti-inflamatória, que ajudaria a melhorar o quadro dos enfermos.
Mandetta informou que haveria grupos voltados a pesquisar os resultados do uso do fármaco. Na China, que primeiro registrou a ocorrência da Covid-19, também houve estudos experimentais de fármacos, o que segue acontecendo nos países ocidentais, como EUA e Espanha, que estão semanas à frente do Brasil na luta contra a pandemia. Estão sendo avaliados experimentos com medicação indicada para o ebola e até para a aids.
Depois que muitas pessoas decidiram comprar o medicamento no Brasil, apostando em um uso preventivo, o ministro alertou que os possíveis efeitos colaterais são graves, daí a necessidade do uso com indicação médica-hospitalar, pelo risco de arritmia cardíaca, problemas hepáticos, danos oculares e auditivos.
O medicamento é produzido com substância sintética, mas a quinina é extraída da casca de uma planta sul-americana conhecida como Quina ou Chinchona, segundo consta no site da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), e desde o século XIX já era utilizada para a malária, que a instituição considera como a substância mais eficaz para o tratamento da doença. Há, inclusive, relatos de que os índios teriam o conhecimento antigo do uso medicinal da substância retirada diretamente das plantas.