Pandemia tem 35% a mais de famílias partidas por assassinatos
Nos 12 meses da chegada dos casos de covid-19 Campo Grande, estatística mostra alta de 35% nos homicídios
Os últimos 12 meses, de mais de 1,5 mil mortes por covid-19 em Campo Grande, foram também período de alta nos assassinatos. E não foi diferença pequena.
Dados do Sigo (Sistema de Gestão Operacional) - usado pelas autoridades da área de segurança em Mato Grosso do Sul para registro e estatísticas de crimes - indicam salto de impressionantes 35% nos números de homicídios dolosos. Para chegar a esse resultado, é só puxar o relatório de 14 de março de 2020, quando se registrou o primeiro caso de contágio local por coronavírus, até 14 de março de 2021, este domingo. Depois, comparar com a mesma linha do tempo dos 365 dias anteriores.
Objetivamente, de 2019 a 2020, foram 88 homicídios registrados pela polícia na cidade. De 2020 a 2021, as ocorrências saltam para 119. São 31 vítimas a mais.
Isso equivale à alta acima de um terço no número de famílias atingidas por mortes violentas.
Nessa conta, não entram os feminicídios, pois eles estão numa classificação em separado. Também aumentaram mais de 30% em Campo Grande na faixa cronológica em questão.
A base de informações estatísticas da Sejusp (Secretaria de Justiça e Segurança Pública) de Mato Grosso do Sul revela nove casos de assassinatos de mulheres com características de feminicídio em Campo Grande desde o primeiro dia da pandemia na cidade até agora. Nos 12 meses anteriores, haviam sido 6.
Somados os homicídios dolosos e os feminicídios, são 128 mortes violentas nos últimos 12 meses, contra 94 do período anterior. Repete-se a percentagem de acréscimo acima dos 35%.
A vida está valendo menos? - Esta coluna hoje faz pausa nas histórias dedicadas a personagens específicos de crimes para falar de estatísticas. Quase sempre, elas dizem muito sobre a humanidade ou a ausência dela.
Lá fora, na rua, como se diz, o panorama sugerido é ainda pior. Só foram consultados dois tipos de crimes contra a pessoa, aqueles em que o autor demonstra a intenção, assume o risco de provocar a morte ou mata, no caso dos feminicidas, simplesmente por a vítima ser quem é, uma mulher e, comumente na tentativa de encerrar relação amorosa abusiva.
Não foram pesquisados dados de mortes violentas em outros contextos, como acidentes de trânsito ou suicídios.
A julgar pelos casos com mais impacto na sociedade, o ano de guerra contra o coronavírus não teve alívio para a crueldade de quem chega ao ponto de tirar a vida de outra pessoa. Ao contrário. Em apenas uma prisão, sete mortes foram descobertas, quando o “Pedreiro Assassino” foi preso, em maio do ano passado.
Ele matava homens solitários a pauladas e enterrava os corpos.
Mortes à moda do “tribunal do crime”, com julgamento de desafetos pelo PCC, figuram entre as ocorrências, assim como execuções com jeito de pistolagem, como o duplo assassinato de dois irmãos ocorrido em dezembro, na Mata do Jacinto. Só um deles seria o alvo.
Entre as mulheres, duas Grazis mortas por seus companheiros de vida, uma delas sem que nunca tenha aparecido o corpo.
No fim do primeiro semestre de 2020, o choque na comunidade do Bairro Tiradentes, quando Carla, aos 25 anos, foi barbaramente atacada pelo vizinho, Marcos André, de 21 anos. O criminoso violentou a vítima antes e depois da morte e abandonou o cadáver, nu, na esquina da rua onde ambos moravam.
Em novembro, o chargista Marcos sumiu e os restos morais foram achados três dias depois. A matadora, Clarice, foi pega em São Gabriel do Oeste. Teve ajuda de um dos filhos para esquartejar o corpo, colocar em malas, jogar em terreno baldio e incendiar.
Não para. Nesta semana, dois corpos foram achados em veículo F-100, na entrada de chácara à margem da MS-010, na saída para Rochedinho. Havia marcas de tiros, pelo menos meia duzia.
A imagem de agentes de segurança procurando algo no escuro fica de símbolo para tentar entender um ano tão difícil, até aqui, também em termos de violência.
Embora não haja ainda leitura científica desses dados, as fontes que a Capivara Criminal costuma ouvir inferem relação entre os estragos feitos pela crise sanitária em todas as áreas, da saúde física à saúde mental, do desemprego à educação prejudicada.
(*) Marta Ferreira, que assina a coluna “Capivara Criminal”, é jornalista formada pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), chefe de reportagem no Campo Grande News. Esse espaço semanal divulga informações sobre investigações criminais, seus personagens principais, e seu andamento na Justiça.
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