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Capivara Criminal

Jamil Name: de poderoso chefe à vítima da covid na cadeia

Marta Ferreira | 04/07/2021 14:41
Empresário Jamil Name, acompanhado da polícia, deixando o Imol após prisão e exame de corpo de delito, em 2019 (Foto: Correio do Estado/Valdenir Rezende) 
Empresário Jamil Name, acompanhado da polícia, deixando o Imol após prisão e exame de corpo de delito, em 2019 (Foto: Correio do Estado/Valdenir Rezende)

Quis o acaso, ou qualquer coisa equivalente, que a jornalista responsável pela “Capivara Criminal” fizesse sua despedida do Campo Grande News falando do ocaso existencial de personagem sobre o qual escreveu, como repórter deste veículo, inúmeras, incontáveis vezes nos dois últimos anos. Desde 27 de setembro de 2019, Jamil Name deixou de ser figura fácil nas colunas sociais e dos círculos de poder, para ser ainda nome de destaque, mas nas seções destinas à cobertura das notícias policiais e do mundo judiciário.

Aquela manhã de 27 de setembro de 2019 acordou diferente.  Em geral, outro dia quente de primavera em Campo Grande. Mas o “dia D” na vida de policiais, promotores e de investigados. É possível dizer, com efeito: a linha do tempo de Campo Grande, e de Mato Grosso do Sou, teve ali, recorte histórico.

Naquele dia, acordei, como não é hábito, bem cedo, surpresa com o celular “agitado” de mensagens sobre a notícia de que cerco policial tinha sido armado para Jamil Name. Não cabia menos.  A reação era de incredulidade. A sensação de participar da história.

Afinal, o nome até então era circulado de aura de medo, tal sua influência e poder de permanecer por anos, sendo citado como chefe do jogo do bicho e outras ações criminosas para dar suporte a atividade ilegal, mas totalmente livre. Era “ficha limpa”. Para além disso, era nome por trás de políticos com mandato, entre eles o próprio filho, Jamilson Name, eleito deputado estadual pelo PDT, agora sem legenda.

Viaturas do Gaeco, Garras e Choque dentro do condomínio no Jardim São Bento onde morava Jamil Name (Foto: Henrique Kawaminami/Arquivo)
Viaturas do Gaeco, Garras e Choque dentro do condomínio no Jardim São Bento onde morava Jamil Name (Foto: Henrique Kawaminami/Arquivo)

Guarida quase oficial - Quase ninguém o incomodava no meio policial. Pelo contrário, ali encontrava proteção, segundo revelaram as apurações, que prenderam gente de todas as forças de segurança envolvida com a organização criminosa sob chefia dos Name. Havia guarda municipal, policial militar, policial civil e policial federal.

Porém, naquele dia, os ventos sopraram para outro rumo. O “Velho”, como muitos preferiam chamá-lo, teve a mansão no Jardim Monte Líbano revirada, e foi levado por força-tarefa da operação Omertà, ação conjunta entre Polícia Civil e Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado). Primeiro, ficou na sede do Garras (Delegacia Especializada de Repressão a Roubo a Bancos, Assaltos e Sequestros), a delegacia para a qual os frequentadores de espaços policiais nunca querem ir.

Ali, é lugar de quem “caiu” com coisa grande, pesada.

E era. A operação Omertá, gestada desde maio daquele ano, prendeu Jamil e o filho, Jamil Name Filho, o “Jamilzinho”, “Guri” ou o “Bob”, hoje com 43 anos, como chefes de organização criminosa. Segundo a acusação, para dar suporte ao comando da jogatina, eles mantinham espécie de escritório de pistolagem.

Jamil Name Filho (à direita) e o pai (Foto: Reprodução)
Jamil Name Filho (à direita) e o pai (Foto: Reprodução)

Até a morte de Jamil, ele já respondia por três mortes, cujos indícios permitiram denúncia formal. Mas a suspeita é de envolvimento em mais casos, sem provas suficientes ou ainda sob trabalho de investigação. Era réu também por formação de milícia, tráfico de armas, obstrução de justiça, corrupção ativa...

Enjaulados com mais duas dezenas de pessoas, integrantes dos quatro núcleos gerenciais do esquema, pai e filho nunca mais saíram.

Jamil Name deixou o ambiente prisional só para a morada eterna, no cemitério mais tradicional de Campo Grande, o Santo Antônio. No dia 26 de maio, contraiu covid-19 no presídio. No dia 2 de junho, foi intubado em hospital de Mossoró (Rio Grande do Norte).

A defesa até conseguiu autorização para tratamento em hospital com mais estrutura, em Brasília. O intuito era usar o chamado pulmão artificial, a mesma tecnologia que foi tentada, sem êxito, para salvar o humorista Paulo Gustavo.

Jamil Name com o uniforme de presídio federal em uma das últimas audiências que participou, por videoconferência. (Foto: Reprodução de vídeo) 
Jamil Name com o uniforme de presídio federal em uma das últimas audiências que participou, por videoconferência. (Foto: Reprodução de vídeo)

Para o “Velho”, nem experimentar foi possível. No meio do mês de junho, o quadro teve leve evolução positiva, ele chegou a ser extubado, ou seja, respirar sem aparelho, mas parece ter sido o que a medicina chama como “melhora da morte”.

Na semana seguinte, Jamil Name piorou, passou a precisar de hemodiálise e, dali para frente, foram poucos dias até a declaração de óbito, no dia 27 de junho. Ou seja, em 30 dias, a covid levou à morte o homem que foi lenda viva por mais de cinco décadas em Campo Grande.

Sequer houve tempo hábil para investigar outra revelação dos exames feitos: ele tinha massa indefinida na área pulmonar, sugestiva de tumor.

No atestado de óbito, está lá, o ex-poderoso comandante do jogo do bicho em Campo Grande e cidades vizinhas foi vencido, aos 82 anos, por choque séptico, sepse de foco pulmonar, pneumonia, covid-19 e doença renal agudizada.

Aplausos conduziram o caixão de Jamil Name ao jazigo (Foto: Kísie Ainoã/Arquivo) 
Aplausos conduziram o caixão de Jamil Name ao jazigo (Foto: Kísie Ainoã/Arquivo)

Coincidências – Em outra ironia do destino, a foto mais marcante da derrocada de Jamil Name foi feita por alguém também vítima da pandemia de covid-19.

É de Valdenir Rezende, falecido em aos 55 anos, em março, o registro de “Name” com policiais vestidos de roupa camuflada cumprindo a ordem de prisão no dia 27 de setembro de 2019. Ele aparece de pijama e gorro, como alguém acordado de sopetão.

Essa cena sempre gerou conversa de bastidores de que fosse só tentativa de produzir para quem visse a cena de senhorzinho frágil ao lado de brutamontes policiais. Nunca se saberá de fato.

Jamil Name dá entrevista ao Campo Grande News, cerca de 10 anos atrás (Foto: Campo Grande News/Arquivo)
Jamil Name dá entrevista ao Campo Grande News, cerca de 10 anos atrás (Foto: Campo Grande News/Arquivo)

Sabe-se, porém, que Jamil Name, se queria, não sabia forjar para si essa imagem de fragilidade. Nos interrogatórios deu trabalho para a defesa. Chamou magistrados de “desembargadores de bosta”, no dia da prisão, disse que havia agido em favor da carreira de Fabio Peró, o delegado coordenador da força-tarefa na Polícia Civil, no interrogatório feito em Campo Grande, no presídio federal, antes de ir para Mossoró, em razão da acusação de liderar plano para matar autoridades.

Na fase de interrogatórios, protagonizou novas cenas de descontrole. Em audiência por videoconferência, ofereceu milhões de propina ao Judiciário para voltar a Campo Grande. Queria que a oferta fosse feita “ao ministro”.

Em uma das últimas oportunidades que teve de se manifestar, atacou a própria banca de representantes legais. Queria por toda lei falar, o advogado entendia que precisavam de conversa em privado primeiro, o juiz permitiu e Name disparou.

O senhor é meu advogado, mas não manda na minha vida”, assinalou.

Para os advogados e a família, Name não respondia mais pela própria consciência. Estava senil. Essa condição, alega quem o defendeu das ações da Omertà, foi piorada pelo ambiente prisional.

Em várias peças, desde o começo do encarceramento, a tese da saúde frágil foi repisada, informando se tratar de octogenário com diabetes, hipertensão, doença pulmonar crônica, problemas de locomoção.

Sobre sua renda financeira, a família garante ter vindo das atividades empresariais lícitas, como por exemplo o ramo imobiliário, no qual é relacionado como responsável por "abrir" oito bairros em Campo Grande.

Jamil Name na foto da identidade, aos 42 anos (Foto: Reprodução de processo)
Jamil Name na foto da identidade, aos 42 anos (Foto: Reprodução de processo)

"Injustiça " - Depois da morte, em peça assinada por Renê Siufi e Tiago Bunning, eles classificam a situação de Name como a de alguém submetido à pena de morte por vias tortas.

Para a força-tarefa da Polícia Civil responsável pelas investigações e o Gaeco, a cargo da acusação, manter o réu preso era a única forma de impedir que o grupo criminoso chefiado por ele atrapalhasse o andamento dos processos e a produção de provas.

Ademais, conforme todas as análises dos tribunais, do juiz de piso, em Campo Grande, ao STF (Supremo Tribunal Federal), nem as doenças alegadas nem a idade avançada eram justificativas para liberdade, diante dos crimes graves denunciados,  e dos planos descobertos para atingir autoridades participantes da Omertà.

O último deles, conforme a acusação, foi tramado de dentro do presídio federal de Mossoró, a despeito de o réu estar no regime mais rígido, em que fica isolado boa parte do dia.

Detento flagrado por tráfico “entregou” a tramoia, conforme anotado em processo específico por obstrução de Justiça, anotando tudo em um bilhete. Os recados passavam de cela em cela, em horários que nem as câmeras pegavam.

Viúva de Jamil Name, Tereza Name disse na despedida que perdia um grande homem (Foto: Kísie Ainoã/Arquivo)
Viúva de Jamil Name, Tereza Name disse na despedida que perdia um grande homem (Foto: Kísie Ainoã/Arquivo)

E agora - Vítima da covid-19, Jamil Name deixa para trás 13 ações penais e outras dezenas na área civil.  Nos autos penais, em cada um vai ser declarada sua extinção de punibilidade. Ficará, oficialmente, como homem nunca foi condenado.

O impacto da ausência dele como personagem das ações só os próximos passos dirão.

Ele é um personagem mítico, sem dúvida. Mas são acusações seccionadas, essas. É muito peculiar essa operação. Cada ‘um’ é uma ação penal em si. Orbitam no Velho. Mas cada um tem a sua ‘trilha criminal’ própria”, declarou fonte que conhece de perto o andamento das ações.

Essa jornalista, que a partir de agora traça novo caminho profissional seguirá acompanhando os andamentos, assim como o Campo Grande News, a quem expresso meu agradecimento pelos anos passados na equipe de reportagem.

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