Na vida ilegal desde os 19, "Lino" acumula crimes e fugas
No dia 31 de maio, ele simplesmente desapareceu da "Máxima", quando devia estar trabalhando na limpeza
"Lino", detento que simplesmente evaporou do EPJFC (Estabelecimento Penal Jair Ferreira de Carvalho), a Máxima, em Campo Grande no último dia de maio de 2021, tem folha corrida capaz de preencher páginas e páginas, a ponto de acumular 80 anos de pena a cumprir. Aos 43 anos, Laudelino Ferreira Veira tem "problemas com a justiça" desde os 19 anos, ou seja, mais da metade da vida dele se passou como autor de delitos.
Ainda assim, tinha autorização para trabalhar no cárcere, num setor essencial do presídio, indicativo de que vinha se comportando como esperado. Laudelino Ferreira Vieira atuava na limpeza da penitenciária no Jardim Noroeste onde cumprem pena mais de 2 mil homens. Com isso, conseguia descontos nos dias de cárcere a cumprir, como prevê a lei.
Estava preso desde 2010, depois de períodos entre a prisão e a vida clandestina camuflada em outro nome. Contra si, a acusação de integrar quadrilha de roubo de veículos levados para a Bolívia, de aviões, o assassinato de um piloto e empresário, a tentativa de matar integrante da Polícia Rodoviária Federal a tiros, além de diversos registros de roubo e tráfico de drogas.
Apesar desse festival de agressões à lei, quando foi ouvido pela Justiça, em 2011, "Lino" declarou não conhecer os outros acusados de formação de quadrilha para roubo de veículos. Admitiu apenas um "157", no ano de 1997.
Sua vida, disse, era como funcionário de fazenda na Bolívia, com uma nova identidade qual chamava Cleidson Blink Oliveira. O documento, disse, tinha conseguido com uma autoridade policial, a unica conhecida por ele. A coluna tentou falar com essa pessoa, hoje atuando em outra cidade de Mato Grosso do Sul e a resposta foi negativa. O nome vai ser preservado.
Na mesma declaração, o réu alegou não estar "muito preocupado" com o monte de processo com seu nome como réu".
Só em Corumbá me acusaram em uns 30 processos sem fundamento, sem a minha participação", alegou em juízo.
No dia desse depoimento, afirmou ser responsável por dois filhos e estar tentando voltar aos estudos no presídio. Sua formação anterior era o "primeiro grau" incompleto.
Na rua de novo - Na quarta-feira passada, decidiu romper essa trajetória de ressocialização e voltar à condição de foragido, que já ocupou antes. Agora, é procurado, e suspeito de corromper alguém para facilitar sua fuga.
A Capivara Criminal ouviu fontes a respeito e a hipótese mais clara é a de que alguém deu chance à escapada do preso: seja recebendo para isso, ou sendo ameaçado, uma das possibilidades consideradas.
A "Máxima" só tem uma saída para veículos de serviço, para entrega de comida ou socorro, por exemplo, além da portaria onde os presos entram e saem, assim como as visitas.
Se o condenado tivesse tentado escapar pelos muros, policiais militares que fazem a guarda na muralha teriam visto, em tese. Mas até agora não há registros nesse sentido.
A Agepen (Agência de Administração do Sistema Penitenciário) informou que está investigando todas as possibilidades. Câmeras de vigilância foram vasculhadas, atrás de alguma imagem que possa indicar a saída do preso, mas até agora, o destino de "Lino" é mistério.
Vida pregressa - Se o paradeiro agora é alvo de perguntas. O passado, não. Para acumular mais de oito décadas de prisão, foram crimes sobre crimes. Mal alcançou a maioridade, e "Lino" já era processado por assalto.
Começou a vida ilegal, oficialmente, já com ocorrência grave: invadiu, junto a comparsas, a casa de uma família em Naviraí, vizinha a cidade nasceu, Ivinhema, há 25 anos quase. As vítimas foram trancadas no banheiro da casa.
Entre "1997 e 1998", segundo ele mesmo assumiu, levou artigos de caça e pesca de loja, foi preso e escapou da colônia penal agrícola de Campo Grande.
De lá para cá, juntou prisões, processos, e fugas. A trajetória tem histórias de impor medo e questionamento por conseguir ter ficado tantas vezes fora do radar as autoridades, agindo na surdina.
Em 2004, foi, de acordo com a acusação, um dos líderes do assalto em que três aviões, avaliados em US$ 240 mil, foram roubados durante invasão à empresa de táxi aéreo Ocororé. O piloto e empresário Luis Fernandes Carvalho, 39 anos, acabou morto. A cidade ficou chocada, por óbvio.
Cartazes foram espalhados atrás de "Lino", sem êxito. Dias depois, chegou a ser preso do lado de lá da fronteira, com um dos aviões roubados, que caiu em uma fazenda, mas acabou solto pelas autoridades bolivianas.
Em 2006, quando estava sumido, ocorreu episódio na estrada do Jacadigo, no meio do Pantanal, a caminho da Bolívia, em que foi acusado.
"Lino" e pelo menos mais seis pessoas, com a intenção de roubar veículos, terminaram se envolvendo na morte do policial militar Rudy Mendonça, de 43 anos. Dos integrantes da quadrilha, só um foi condenado por esse crime.
De acordo com os autos, todos estavam participando de roubo na estrada, mas houve desacerto entre eles, e Rudy acabou sendo assinado pelos próprios comparsas e morrendo.
Era 19 de janeiro de 2006, voltaria a ser preso em 2010, em outra empreitada bandida. Estava de moto, acompanhando carro com outros dois traficantes, que traziam cocaína.
Segundo o relato da época, "Lino" atirou diversas vezes contra a equipe da Polícia Rodoviária Federal, atingiu um dos policiais e também foi atingido, na BR-262, caminho entre Campo Grande e Corumbá.
O policial sobreviveu, ele também, depois de ficar internado na Santa Casa de Campo Grande. Para agir sem ser preso, usava documento falso.
Ao comunicar a detenção à Justiça, a Denar (Delegacia Especializada de Repressão ao Narcóticos) assinalou que o homem preso tinha mais de uma dezena de ordens de prisão, por roubo, tráfico e formação de quadrilha.
"Lino" não saiu mais. Até o dia em que pagou - ou ameaçou, ou decidiu acertar contas com alguém - para ter liberdade facilitada.
Ele tinha tentado por meios legais, alegando o risco de contrair covid. O juiz responsável foi categórico. Não havia condições de pensar em liberar o condenado.
Agora como foragido, pelo que rege a lei, Laudelino Ferreira Vieira não incorre em novo crime, a menos que seja confirmada a hipótese de ter corrompido algum agente público. A fuga, em si, não tem tipificação criminal.
Conforme levantado pela "Capivara Criminal", todas as forças policiais estão em alerta para prender o fugitivo, inclusive com a consciência de que pode ter apelado mais uma vez à identidade falsa.
(*) Marta Ferreira, que assina a coluna “Capivara Criminal”, é jornalista formada pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), chefe de reportagem no Campo Grande News. Esse espaço semanal divulga informações sobre investigações criminais, seus personagens principais, e seu andamento na Justiça.
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