"Véio", o homem de 11 nomes que queria roubar R$ 200 milhões
Cérebro de plano para levar valor milionário de prédio do Banco do Brasil, ele está preso desde março de 2020
Para "derrubar" a quadrilha que construiu túnel de 70 metros no intento de invadir o prédio onde o Banco do Brasil mantinha dinheirama guardada em Campo Grande, o Garras (Delegacia Especializada de Repressão a Roubo a Banco, Assaltos e Sequestros) fez seu próprio "reality" por quase seis meses, entre agosto e dezembro de 2019. A temporada "terminou" no dia 22 de dezembro, com sete suspeitos presos, dois mortos e um roubo de R$ 200 milhões impedido.
Três meses depois, novo episódio teve outras duas dezenas de indiciados no caso. Entre esses, estava "Véio", integrante do "núcleo duro" da organização criminosa, tido como cérebro do ataque programado para a semana do Natal, época de muita grana em circulação.
Homem de pelo menos onze nomes, cuja identificação se configurou em mistério imposto à investigação policial, foi preso em Marília (SP), na segunda fase da operação. Está em cela da "Supermáxima", apelido na massa carcerária do presídio de regime fechado da Gameleira I, na saída para Sidrolândia em Campo Grande. É alvo de processo por furto qualificado, formação de organização criminosa e falsificação de documentos.
"Véio" já tentou todo tipo de recurso para sair da prisão, sempre com respostas negativas.
O caderno de indícios de participação na empreitada à margem da lei tem sido levado em conta pelo Judiciário como embasamento para mantê-lo fora de circulação. A defesa alega desde excesso de prazo na condução dos autos até falta de provas contra.
A campana - Se não sabia quem era "Véio" nos documentos oficiais, a equipe do Garras o conhecia muito bem visualmente quase meio ano antes do ataque frustrado. Conhecia seus hábitos em Campo Grande e juntou, em pouco mais de cinco meses de acompanhamento, coleção de imagens ligando-o ao plano para furto milionário ao Nuval (Núcleo de Valores) do BB, no Bairro Monte Castelo.
Esqueça a cena da dupla de policiais seguindo os suspeitos, escondidinhos em viaturas descaracterizadas.
A "Capivara Criminal descobriu que a campana incluiu, é claro, o acompanhamento in loco, além de iniciativas prosaicas como recolher o lixo deixado pelos bandidos. Mas utilizou-se muito de recursos tecnológicos na produção de verdadeiro arquivo com registros dos suspeitos e dos locais usados por eles para o planejamento do crime fracassado.
Extração de câmeras de segurança, fotografias, filmagens com drones foram meios de levantamento de elementos probatórios. Outros ingredientes foram pesquisa exaustiva em fontes abertas e o rastreamento da movimentação em viagens de carro e de ônibus.
Rotina - "Véio" foi flagrado entrando na casa onde passava os dias em Campo Grande, saindo dela, embarcando e desembarcando de carros envolvidos no furto, dirigindo veículos depois apreendidos.
Buscava e levava gente indiciada no caso na rodoviária, por exemplo.
Foi fotografado indo ao barracão próximo ao local do crime onde a engenharia para a invasão ao banco foi arquitetada. Tem imagem dele até tomando café na padaria transformada em ponto de encontro dos comparsas, perto do imóvel usado pelo grupo no Bairro Antônio Vendas.
Vale destaque o encontro com "Barba", outro cabeça da quadrilha, cujo fim foi a morte na madrugada da 22 de dezembro.
De noite, o flagrante de "Véio" foi sozinho em bar, ou jantando e conversando com parceiros de crime, na Avenida Bom Pastor, conhecido corredor de restaurantes em Campo Grande.
A chegada até essas pessoas para esse diário pré-crime não teve qualquer acaso. Foi trabalho de inteligência e de campo, atestam os relatórios anexados aos autos dos dois processos relativos à ocorrência de vulto.
Partida - Em julho de 2019, assaltantes levaram R$ 300 mil da agência da Caixa na Avenida Gunter Hans em Campo Grande. Embora seja tarefa da Polícia Federal esse levantamento dos culpados por se tratar de empresa pública da União, o Garras foi atrás de informações do fato, para tentar elucidar crime ocorrido em 2016, na unidade do Banco do Brasil da Avenida Afonso Pena com 13 de Maio.
Na época, foi levado R$ 1,1 milhão.
Havia fortes desconfianças de se tratar do mesmo grupo, que também tinha tentado assaltar outra Caixa, da Avenida Mato Grosso, em novembro do ano de 2018. O plano falhou porque o gerente desconfiou e os invasores acabaram fugindo em Renault Duster branco.
Elos - Imagens de câmeras de segurança denunciaram pelo menos um envolvido em comum em todos os casos. No último episódio, o destino de carro vermelho estacionado em local próximo da agência levou a polícia a localizar casa no Bairro Antônio Vendas, na qual "Véio" ficava baseado em Campo Grande.
Essa sequência deu início ao acompanhamento policial, feito até o dia 22 de dezembro, quando foi percebida movimentação concretizar o ataque. O passa-a-passo era de uma iniciativa criminosa.
Era uma hora da manhã da segunda-feira antes do Natal. O desfecho foi o confronto entre os integrantes do núcleo de execução do crime e a equipe policial. Três suspeitos foram baleados, dois morreram.
Como mostrado a imprensa logo depois, o bando havia alugado dois imóveis perto do banco. Num deles, escavaram túnel para chegar ao cofre. No outro, um galpão, guardavam sacos de terra.
Nessa fase, foram seis homens e uma mulher presos.
Um dos cabeças na execução, Antônio de Melo Leal, o "Barba", foi um dos mortos. O outro, "Véio", estava solto.
A prisão - Ficou assim até março. Acabou sendo capturado na casa dele em Marília, interior de São Paulo, em 13 de março de 2010, como continuidade dos trabalhos policiais.
No dia, apresentou-se como Marcio Dornelles Mendes Junior, de 61 anos, como era conhecido inclusive pela esposa, de 52 anos. Quando a prisão ocorreu, os dois eram pais recentes, de menino nascido em janeiro de 2020.
Ao ser interrogado, porém, revelou se chamar Ernandes Pereira da Silva, nascido em Alagoas, no município de União dos Palmares, mas morador do estado de São Paulo há muito tempo. Confessou usar documento falso havia 20 anos, por temer ir para a cadeia com o nome de batismo, ou seja, admitiu passado de ilegalidades.
Apesar da declaração do investigado, a suspeita é que, para ficar tanto tempo no limbo, sem ser capturado, foram usadas pelo menos outras nove identificações falsas. Márcio, que disse ser Ernande, também poderia ser Ernandes Pereira da Silva, Ernandes Pereira A. Silva, Hernandes Pereira da Silva, Jose Abílio Xaster, José Abílio Xastre, José Ferreira da Silva, José Inácio de Sá Goncalves, José Wichester e Armando Cezário.
Com esses nomes todos, e sabe-se lá quais mais, a ficha criminal era algo difícil de rastrear. Foi estimada, após a detenção, a existência de perto de 80 crimes imputados a "Véio". A maior parte deles, acreditavam o próprio, estavam prescritos. Ocorreram em estados do Nordeste, do Centro-Oeste e do Sudeste.
Mandado de prisão, mesmo, foi localizado apenas um, de Catalão, em Goiás, cumprido depois da localização pelo Garras.
Desde o dia da prisão, "Véio" informou aos policiais ser soropositivo para HIV. Essa condição tem sido reiterada nas peças processuais que tentam convenver a Justiça a permitir que ele responda em liberdade pelas acusações, sob o pretexto do risco de contrair covid-19.
Por ora, o entendimento dos tribunais está sendo contrário às solicitações.
"Não há falar em substituição da prisão preventiva por domiciliar pelo fato de o paciente ser soropositivo-HIV, se ele não preencher os requisitos do art.318, do CPP, bem como não demonstrar que se encontra extremamente debilitado em decorrência da mencionada doença e muito menos de que há impossibilidade de ser prestado assistência médica no estabelecimento prisional", está escrito em despacho do STJ (Superior Tribunal de Justiça) em habeas corpus no nome de Ernandes Pereira da Silva.
Não há prazo pra conclusão do processo de primeiro grau contra ele. A fase atual, segundo a investigação da Capivara Criminal, é de alegações finais, quando a defesa e a acusação se manifestam. Depois, o juiz responsável, Olivar Coneglian, da 2ª Vara Criminal de Campo Grande, profere a sentença.
(*) Marta Ferreira, que assina a coluna “Capivara Criminal”, é jornalista formada pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), chefe de reportagem no Campo Grande News. Esse espaço semanal divulga informações sobre investigações criminais, seus personagens principais, e seu andamento na Justiça.
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