Audiência de custódia barrou entrada de mais de 800 suspeitos em presídios
Mais de 800 pessoas presas em flagrante deixaram de entrar nos presídios de Mato Grosso do Sul, do dia 05 de outubro de 2015, até o dia 03 deste mês e ano. Os presos em questão ganharam liberdade provisória depois de passarem por audiências de custódia. No estado, 1.360 audiências foram realizadas neste período, ou seja, o percentual de soltura é de 59%.
Nessas audiências, que são feitas em média até 24 horas depois do flagrante, um juiz avalia a necessidade de manter o preso atrás das grades durante o processo judicial. A técnica começou a ser aplicada no Brasil em fevereiro de 2015 , incentivada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Em Mato Grosso do Sul, os termos de cooperação para a implantação destas audiências só foram assinados em outubro, quando o programa passou a ser obrigatório. Até então, os presos em flagrante eram levados automaticamente para delegacias, para o registro do boletim de ocorrência e, em seguida, às cadeias e centros de detenção provisória, onde aguardavam em média 6 meses pela audiência de instrução, quando via o Juiz responsável por julgar o crime cometido pela primeira vez.
“Entre outras coisas, as audiências de custódia são para coibir eventuais práticas de tortura e qualquer outro tipo de abuso policial, assim como acusações indevidas por parte dos presos, contra policiais. Além disso, o Juiz verifica se é realmente necessária a prisão do sujeito ou se há outras medidas cabíveis de punição, como por exemplo, uma internação em caso de dependência de drogas. Ao invés de lotar a cadeia com presos "desnecessários", gastando R$ 1500 por mês, cada preso, dá-se a ele uma punição que, muitas vezes, é mais útil para a sociedade, como prestação de serviços”, explica o juiz José Henrique Kaster Franco, da Vara Criminal de Nova Andradina.
Kaster Franco foi o primeiro magistrado a implementar as audiências de custódia em Mato Grosso do Sul. Por iniciativa própria, o magistrado começou a realizar em junho as audiências, na cidade Nova Andradina – distante 300 quilômetros de Campo Grande.
Como ele trabalha sozinho, na época, o juiz fixou prazo de 72 horas para a realização das sessões. "Fiz uma audiência de uma mulher acusada de estuprar uma menina de dois anos na qual percebi que se tratava de uma pessoa com atraso mental que já havia recebido tratamento psiquiátrico. Em dois dias na cadeia, ela foi agredida e teve o cabelo arrancado, chegou na audiência acabada. Foi ai que percebei a necessidade de que ficasse em cela separada e fosse feito um exame para comprovar a doença. A gente precisa saber quem precisa mesmo ir para a cadeia ou quem precisa é de apoio para a recuperação”, diz.
Como funciona - Para que o sistema pudesse ser implantado, os tribunais tiveram que adaptar salas e reforçar o policiamento interno. A sessão começa com o juiz questionando ao preso se ele quer falar sobre o crime do qual é acusado e se possui residência e emprego fixos.
Em seguida, um promotor, que faz a acusação, e um defensor público/ advogado fazem perguntas e ponderações que podem ajudar o juiz a tomar a decisão. O tempo médio de cada sessão é de 20 minutos.
Geralmente são "soltos" suspeitos sem antecedentes criminais e suspeitos de crimes de menor potencial ofensivo, como furtos, estelionato e tráfico, quando se percebe que é para consumo próprio. Presos em flagrante por homicídios, latrocínios e tentativas de furto e roubo com violência, cujos crimes, em caso de condenação, os suspeitos começarão a cumprir a pena em regime fechado, permanecem atrás das grades durante o processo.
Críticas - Apesar de já instituídas, as audiências cautelares enfrentam críticas. Para alguns policiais, há retrabalho nas ruas, porque a pessoa em liberdade provisória volta a cometer crimes. “A audiência de custódia, em alguns casos, desmotiva a ação do policial. Algumas vezes, coloca em liberdade e em contato com o policial o elemento que foi preso no mesmo dia.
Acreditamos que a pessoa deve ficar mais tempo sob os cuidados do poder Judiciário para reavaliar sua conduta criminosa.”, justifica o presidente da Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar e Bombeiro Militar de Mato Grosso do Sul, Edmar Soares da Silva.
Para esta afirmação, o juiz Franco considera que há um equívoco, “porque o reincidente não é solto em uma audiência de custódia, apenas aquele que é primário, que já seria solto, mesmo sem tal audiência. Presos reincidentes ou que cometem crimes graves, de grande potencial ofensivo, com certeza tem a prisão decretada pela Justiça”, afirma o magistrado.
Outra questão apontada pelo presidente da ACS/ PMBM/ MS, é que se faz necessário o emprego de policiais e outros órgão de Justiça e segurança, para executar o programa. “Policiais são tirados do serviço ostensivo para fazer o acompanhamento desses presos. Há, também, o empenho de juízes e promotores, que poderiam estar debruçados em casos em curso de pessoas que já estão presas e merecem uma reavaliação de seu processo. Além do prejuízo ao trabalho do policial militar, as audiências afetam também a celeridade da justiça”, disse.
Para o presidente da CAC/ MS (Comissão dos Advogados Criminalistas de Mato Grosso do Sul), Fabio Andreasi, a audiência garante um direito do preso conquistado em 1969, durante o tratado internacional de San José da Costa Rica, feito na Convenção Americana de Direitos Humanos. ”O juiz tem condição de exercer com mais eficiência o controle dos autos de prisão em flagrante. Se você pensar que a grande maioria dos presos nas unidades prisionais são provisórios, resultado do encarceramento desnecessário, e no custo deles para o Estado, não há como não concordar com as audiências de custódia”, considera.