Centro atende 130 crianças e adolescentes ao mês contra automutilação e suicídio
Programa municipal também recebe vítimas de abusos sexual e tenta reverter traumas que levam a transtornos
Para atender a crescente demanda de crianças e adolescentes vítimas de violências, que manifestam dor emocional com automultilação e tentativas de suicídio, a Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) de Campo Grande tem um projeto de atendimento especializado, oferecido sempre aos sábados. Com sessões lúdicas, os psicólogos e psiquiatras do Paesca (Programa de Atendimento Especializado em Crianças e Adolescentes) tentam ajudar a curar as feridas causadas por eventos traumáticos.
O pouco conhecimento nos faz acreditar que qualquer atendimento psicológico, oferecido pelo serviço público de saúde, é feito no CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), mas a coordenadora Centro de Atenção Psicossocial da Sesau, GislayneBudib, esclarece que as situações precisam ser separadas e tratadas de formas diferentes.
"No CAPS Infantil a gente faz atendimento a pessoas com transtornos mentais graves e severos. Quem tem esquizofrenia infantil, depressão grave na infância, transtorno afetivo bipolar na infância ou na adolescência e autismo. Agora, se a criança sofreu uma violência física pela família ou uma violência sexual, aí ele fica nesse Paesca", esclarece.
Atualmente, o Ministério da Saúde considera que a violência e as tentativas de suicídio devem ser imediatamente notificadas. Cabe ao gestor da saúde garantir o cuidado emergencial, assim como os atendimentos de saúde, incluindo a assistência psicológica. Nos boletins de violência contra menores de idade, registrados em todo país anualmente, mais de 31% dos casos foram notificados pela rede de saúde; em crianças, esse índice chega a 29,4%.
O Paesca está ativo há pelo menos seis anos, mas Gislayne acredita que o sofrimento de crianças e adolescentes sempre existiu, só faltava serem ouvidos e acolhidos de forma profissional. "As crianças sempre passaram por situações assim, de bullying na escola ou de violência em casa, só que não eram vistas com essa importância. Então, a gente tem adultos hoje muito mais traumatizados, violentos, disfuncionais, que na infância não foram vistos e não foram tratados", defende.
Na análise do psicólogo Mário Malfatti Ianhez, 32 anos, que trabalha com os casos atendidos no Paesca desde o início, a geração atual lida de uma forma diferente com as frustrações pois está cada vez mais nítido a desestruturação dos ambientes familiares ou por terem que conviver por muito tempo com seus agressores.
"Estamos trabalhando com uma geração que apresenta características muito peculiares com relação às frustrações e a estrutura familiar. Está muito mais evidente a desestruturação familiar, a ausência de figuras importantes e o aumento da própria violência. Isso vem causando a ideação na criança e no adolescente pela morte", explica Mário.
Quando o paciente chega ao ambulatório, com ferramentas mais lúdicas, os profissionais conseguem acessar os sentimentos e oferecer o tratamento adequado. "Fazemos psicoterapia, lúdicas, para acessar a criança através do brincar. Entrar no universo infantil para entender como ela pensa, como ela se sente, para conseguir entendê-la. Trabalhamos com a criança e o familiar, porque geralmente o agressor é uma pessoa próxima, que afeta toda a família".
Entre as vítimas está uma adolescente de 15 anos, levada pela mãe. Ela foi abusada sexualmente pelo padrasto desde os 9, sendo tudo descoberto recentemente. "Quando conheci ele, minha filha estava na barriga. Sempre mostrou ser uma pessoa doce, incapaz de fazer qualquer mal", compartilhou a mãe para o Campo Grande News.
Ao se tornar uma vítima frequente, a menina passou a se isolar, ter crises de ansiedade e tentou tirar a própria vida de diferentes maneiras. "Ela não conversava, ficava trancada no quarto, pouquíssimos amigos, com frequentes episódios de pânico e tentativas de suicídio. Já está na terceira sessão e as crises diminuíram bastante, o diálogo melhorou também".
Como a maioria dos casos atendidos naquele ambulatório, o grau de vulnerabilidade exige total sigilo. A mãe termina dizendo que o agressor da filha, que foi seu esposo por quase 16 anos, desapareceu quando o crime foi descoberto. Até hoje ele não foi encontrado pela polícia e há familiares que o ajudam.
Encaminhamentos - Além do direcionamento feito pelas equipes de plantão em situações de emergência, os pais ou responsáveis legais podem procurar uma USF (Unidade de Saúde da Família) para relatar o caso. O telefone para contato é o 67 2020-1780, do CEM (Centro de Especialidades Médicas), que fica na travessa Guia Lopes, 71.
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