Com efeitos especiais, Paixão de Cristo reúne 3 mil fiéis nas Moreninhas
“Nos doamos em agradecimento a tudo que Ele fez por nós”, a afirmação de Otávio Augusto Taveira do Carmo, que viveu Caifás, um dos sacerdotes que pediu a condenação de Jesus, na encenação da Paixão de Cristo no bairro Moreninhas, definiu o espírito do grupo de pelo menos 50 jovens que emocionou os fiéis que acompanharam a encenação da Via Sacra vivida por Cristo até a sua crucificação.
Após um temporal que ameaçou a encenação, um arco-íris sinalizava mais um ano de sucesso de uma atividade que completa mais de 30 anos na região.
Para as mais de duas mil pessoas que seguiram a encenação pelas ruas do bairro desde a Comunidade São Pedro/São Paulo até a Paróquia Nossa Senhora das Moreninhas, o que os jovens apresentaram não foi um simples teatro, mas uma oportunidade de fazer o público refletir sobre as ações do dia a dia.
A riqueza de detalhes, que contou até com maquiagem cenográfica, desenvolvida pelo maquiador Marcelo Ataíde, 20, deixou o público extasiado. Todo o capricho da produção, somado à dedicação dos “atores” em representar da forma mais realista possível o sofrimento de Jesus, resultou em momentos de emoção e até de compaixão, já que vários fiéis se deixaram transportar no tempo e não foram meros espectadores do teatro, mas vivenciaram, de fato, o sofrimento de “Cristo”.
Foi assim com o autônomo Luis Vieira, que de tão emocionado, não conseguiu conversar com nossa reportagem. Ele preferiu o choro sincero, como daqueles que aguardam a semana mais importante do calendário católico para se dar a oportunidade de um recomeço. Quem respondeu por Luis foi o amigo Carlos Afonso de Araújo, 23, que nesta Sexta-Feira Santa vestiu o figurino de Pôncio Pilatos na encenação. “Ele se emocionou porque já fez o papel de Jesus várias vezes”, contou o amigo.
Mas não era preciso ter encarnado Jesus em alguma apresentação cênica para se sentir tocado com a verdade passada pelos jovens que ensaiaram por quatro meses o teatro. E não foi uma preparação apenas na parte artística, que se resumiu a definir detalhes técnicos e decorar diálogos.
Um dos organizadores, o militar Anderson Guimarães Gimenez, 22, conta que durante esse período os jovens passaram por um intenso preparo espiritual, que incluiu horas de conversas com os padres da comunidade, penitência e momentos de confissões, onde cada um pode refletir sobre sua missão, não só dentro da peça, mas também como ser humano. “É muito gratificante ver o resultado, todo mundo sai renovado e pessoas melhores depois dessa experiência”, ressalta.
E, sem dúvida, ninguém viveu uma experiência tão marcante quanto Luan Silva do Nascimento. O estudante de 22 anos de Agronomia foi escolhido este ano para o papel de Jesus. Depois de quatro anos desempenhando o papel de um dos soldados que açoitam Jesus Cristo, ele se surpreendeu com o convite. Apesar da felicidade pelo reconhecimento dos amigos, Luan não escondia o nervosismo pela responsabilidade de passar a principal mensagem de Cristo que, para ele, foi a humildade e resignação que permitiu suportar todo o sofrimento em benefício da humanidade. “Nós estamos aqui hoje porque Ele deu a vida por nós”, destacou.
Para dar veracidade a interpretação, Luan assistiu o filme “A Paixão de Cristo”, de Mel Gibson e procurou se resguardar em vários momentos para meditar e orar.
O preparo deu certo. Era visível seu empenho como estreante. A partir do momento em que começou a ser chicoteado, conseguiu revelar no rosto, toda sua crença e fé no papel que havia aceitado com o coração.
A veracidade da atuação levou às lágrimas os adultos. Já as crianças ficaram impressionadas com os “ferimentos” produzidos por Marcelo Ataíde. A cada “chicotada”, o público gritava. Muitas até fechavam os olhos. Uma recompensa para o maquiador autodidata, que desenvolveu a técnica através de vídeos no Youtube. “Eu mesmo crio alguns materiais já que aqui em Campo Grande não é possível encontrar tudo”, diz.
O talento nato já rendeu trabalho no curta metragem “Cortes”, do diretor sul-mato-grossense Roberto Leite. Agora ele se prepara para aperfeiçoar a técnica em Miami, onde foi convidado pelo diretor para iniciar, de fato, sua carreira profissional. Mesmo sem seguir uma religião, ele revela que a oportunidade de participar de um trabalho voltado para a fé, o ensinou a valorizar mais as ações simples, feitas com carinho.
Seu trabalho causou impacto especialmente nas crianças. Atenta a tudo e gravando cada detalhe com seu tablet estava a pequena Maria Clara Câmara Diogo, 11. “Prima” de Jesus (Luan) e Maria (Mirelle de Souza), ela disse que acompanhou todos os ensaios, mas mesmo assim, ao ver a maquiagem, ficou “chocada”.
A dona-de-casa Antônia de Oliveria Mariano, 61, também se comoveu e não conseguiu entrar no mundo do faz-de-conta. “A cada ano eles se empenham mais. Não dá para escolher um momento só. Todos são lindos. Eu choro o tempo todo”, contou.
Seu trabalho causou impacto especialmente nas crianças. Atenta a tudo e gravando cada detalhe com seu tablet estava a pequena Maria Clara Câmara Diogo, 11. “Prima” de Jesus (Luan) e Maria (Mirelle de Souza), ela disse que acompanhou todos os ensaios, mas mesmo assim, ao ver a maquiagem, ficou “chocada”.
A dona-de-casa Antônia de Oliveria Mariano, 61, também se comoveu e não conseguiu entrar no mundo do faz-de-conta. “A cada ano eles se empenham mais. Não dá para escolher um momento só. Todos são lindos. Eu choro o tempo todo”, contou.
A emoção dos fiéis aumentou quando a encenação saiu do pátio da igreja e foi para as ruas. Nesse momento, para dar uma visibilidade melhor, os atores passaram a encenar sobre uma carreta. À frente, um trio elétrico seguia com os organizadores narrando as 15 etapas do calvário de Jesus.
Já nas ruas, a procissão ganhou corpo e mesmo quem ficou apenas como espectador na calçada, não escondia a admiração, refletida nas dezenas de celulares que não perdiam um só momento da encenação.
Mesmo sem o registro fotográfico, a família da costureira Eliane de Souza, 46, não conseguiu conter as lágrimas ao chegar próximo do momento da crucificação. Moradores do bairro há dez anos, ela e os pais Maria Tomázia, 70 e Pascoal Marim de Souza, 80, não perdem um ano. “São momentos que ficam guardados na mente e nos faz refletir sobre nossas ações”, ressalta a costureira.
“Contamos a mesma história sempre, sem adaptações e sempre nos emocionamos”, afirma Anderson Guimarães. Talvez esteja aí, o segredo da fé renovada, que comove o público há mais de mil anos.
Quando a procissão, que percorreu três quilômetros, se aproximava do fim, a comoção do público que antevia os momentos finais de Jesus era tão forte, que sanou as dúvidas e inseguranças do grupo quanto a proposta da peça. “Queríamos passar a importância de resgatar valores, como a lealdade, honestidade e amor. Sentimentos esquecidos, especialmente por muitos jovens hoje em dia. Nossa intenção é evangelizar, tocar de alguma forma essas pessoas que ainda não seguem uma fé”, disse Carlos Afonso, o Pilatos.
O fato de 15 novos jovens terem ingressado no grupo este ano para atuar na encenação, demonstra que essa semente lançada há quase 40 anos na comunidade, continua frutificando a cada ano.
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