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Comportamentos atípicos podem indicar caminho ao suicídio, alerta psiquiatra

Especialista diz que adolescentes e idosos são faixa etária mais afetada pelo problema de saúde pública

Natália Olliver | 15/09/2023 14:52
Número de casos é maior entre adolescentes e idosos, segundo psiquiatra (Foto: Paulo Francis)
Número de casos é maior entre adolescentes e idosos, segundo psiquiatra (Foto: Paulo Francis)

“Uma palavra dita na hora errada pode causar mais estragos do que um medicamento”, diz psiquiatra sobre tentativa de amparo àqueles que possuem comportamento ou idealização suicida. José Carlos Rosa Pires, médico PHD em saúde mental e professor de medicina na UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul), ressaltou que o peso das palavras pode ter impactos fortes na recuperação de alguém que vivenciou ou vivencia o problema de saúde pública. Por isso, é necessário atenção e tato.

Para ele, uma das maneiras de prevenir o suicídio é o acolhimento e, princialmente, estar atento a atitudes e falas atípicas como o uso de frases: “queria sumir para sempre, queria dormir e não acordar mais”, “essa vida não é pra mim”, entre outras.

Apesar de, muitas vezes, serem ditas de maneira indireta, pessoas com idealizações suicidas costumam falar muito sobre o tema morte de maneira sutil, como as frases ditas acima. José Carlos ressaltou que os adolescentes são os que mais atentam contra a própria vida, seguido pelos idosos.

Números - Em Mato Grosso do Sul, em 2023, foram registrados, até dia 4 de julho, 69 ocorrências de suicídio no Estado. Em 2022, foram 131 no mesmo período. Os dados são da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública).

Na Capital, durante os seis primeiros meses de 2023, o número chegou a 17 ocorrências. Em 2022, foram 58 casos.

A Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) explicou que o último levantamento feito pela pasta é de 2022 e registrou 1.322 tentativas de suicídio. Já os óbitos foram 120, sendo 89 homens e 31 mulheres. No ano anterior, foram registrados 1.253 tentativas e 89 mortes, desse número, 67 eram homens e 12 mulheres.

O Campo Grande News fez algumas perguntas ao especialista em saúde mental. Confira a entrevista.

Campo Grande News: Como identificar um possível suicida, é possível?

José Carlos Rosa Pires: Sim! Em média, 90 ou 95% dos casos a pessoa avisa de alguma maneira que quer se matar, ou com alguma linguagem indireta sobre o assunto. "Quero sumir, dormir para sempre, não sei porque nasci". É comum identificar isso de forma indireta.

Todo sofrimento pode gerar vontade de morrer?

Não. Depende da resiliência de cada um e de como enfrentar os impactos de cada dia. Diariamente, vemos jovens, adolescentes e até crianças com falta de resiliência e estrutura emocional para absorver os problemas do dia a dia. É importante ressaltar para a comunidade em geral que não podemos menosprezar esse fato. Não podemos normalizar ou fazer graça de situações que beiram o absurdo, como uma criança que fala "quero pular de uma corda".

Como lidar com pessoas em sofrimento psicológico ou depressão?

É preciso levar a sério como outra doença qualquer e tomar cuidados redobrados para que não se torne um parassuicida, quando uma pessoa começa a se autodestruir ou automutilar. A depressão é um problema sério, que não escolhe idade ou situação socioeconômica. Assim como os transtornos de ansiedade que causam pânico, generalizado, o TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), e etc.

Doenças como depressão são estopim para a tentativa de suicídio?

Sim! Em média 60% dos depressivos têm tendências e pensam em se suicidar. Mas apenas 15% conseguem de fato. A maioria tem alguma sequela e não morre perante as tentativas de suicídio. A gente ouve muito sobre o suicídio, mas as tentativas também deveriam ser notificadas pelos serviços de saúde. Por exemplo, a cada uma notificação, temos cinco ou seis subnotificações.

Existe uma faixa etária mais afetada?

A segunda maior causa de morte entre adolescentes é o suicídio, atrás apenas do acidente de trânsito. Também temos os idosos, que estão nos maiores índices entre Capital e Estado.

Como prevenir?

Levar a sério uma pessoa que está mudando seu comportamento, que reclama e toma atitudes fora de seu convívio, que tem insônia. Quem convive deve acolher. É preciso insistir e divulgar para terceiros.

A escuta psicológica pode ajudar a prevenir?

Se isso significar psicoterapia, sim, pode ajudar e funciona como preventivo para autocontrole das situações.

Acha que ainda existe tabu ou as pessoas estão levando a sério a doença?

Melhoramos muito como sociedade, mas isso precisa ser ampliado. A imprensa e a mídia, como principais formas de consumo, são de primordial importância neste momento. A OMS (Organização Mundial de Saúde) tem uma cartilha relacionada ao uso das mídias em relação a suicídio. O tabu ainda existe, assim como o preconceito. Mas precisamos levar isso mais a sério, principalmente na religião.

Ela pode ser uma das formas de abordagem e acolhimento, mas não devemos nos basear em costumes e crenças. Vale ressaltar que prezo muito pelo lado espiritual, sou muito religioso e nem por isso faço reducionismo para prevenir a doença.

O que dizer para uma pessoa que está pensando em tirar a própria vida?

Quanto menos falar, melhor. É o momento de ouvir, oferecer acolhimento. É hora de escutar do que dar conselho. Uma palavra dita na hora errada pode causar mais estragos do que um medicamento. É importante oferecer ajuda também na rede municipal, que tem serviços gratuitos psicossociais em UPAs. Na rede particular, é obrigatório que qualquer plano de saúde ofereça atendimento psiquiátrico em até 15 dias.

Existe um protocolo para ter vida funcional?

Não existe protocolo. Cada ser humano é único. O que nós sabemos é que cada tentativa de suicídio pode puxar outra. É preciso sempre levar a sério, não deixar a pessoa sozinha e oferecer acolhimento. Um antidepressivo demora até 4 semanas para oferecer efeito e, por conta disso, o paciente precisa estar sempre em observação, e em alguns casos, até internação.

Para uma reintegração, são essenciais as práticas saudáveis, como exercícios físicos, boa alimentação e apoio social também. Cada caso é um caso e temos que levar todos os pontos em consideração.

Ajuda - O Campo Grande News aproveita para informar que na Capital, o Grupo Amor Vida (GAV) presta um serviço gratuito de apoio emocional a pessoas em crise através do telefone 0800 750 5554. Ligue sempre que precisar! O horário de funcionamento é das 7h às 23h, inclusive, sábados, domingos e feriados.

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