Do presídio, líder do PCC comanda tortura e lista 27 condenados à morte em MS
Áudios da Operação Flashback II mostram liderança do PCC em MS, no Presídio de Segurança Máxima, no comando de ações da facção
Áudios interceptados na Operação Flashback II, desencadeada em 11 estados do País, evidenciam a importância de Mato Grosso do Sul na cadeia de lideranças do PCC (Primeiro Comando da Capital). De dentro do Presídio de Segurança Máxima, um deles, integrantes da "Linha Vermelha", a segunda escala em poder na hierarquia da facção criminosa, comanda torturas e divulga decreto de sentença de morte aos infratores do grupo, 27 somente aqui no Estado.
O Campo Grande News teve acesso aos áudios interceptados. Neles, o preso "graduado" do PCC lista 212 condenados à morte em 24 Estados. Em outra gravação, comanda o castigo a um dos infratores em outro estabelecimento penal, sendo possível ouvir gemidos de dor. “Enquanto não cair, pode dar continuidade”, diz o criminoso, sobre a sessão de tortura.
A Operação Flashback II foi desencadeada na última terça-feira (28), sob o comando das polícias e do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) de Alagoas, na captura de integrantes do PCC naquele estado, MS e mais nove estados do país (Sergipe, Pernambuco, Ceará, Bahia, Paraíba, Piauí, Paraná, São Paulo e Minas Gerais), com cumprimento de 216 mandados de prisão e de busca e apreensão.
“As maiores lideranças do PCC, em nível nacional, são geralmente os que têm mais tempo de facção e estão nos presídios de São Paulo, Paraná e, principalmente, Mato Grosso do Sul”, disse o diretor da Deic (Divisão de Especial de Investigação e Captura), delegado Gustavo Henrique, da Polícia Civil de Alagoas, que comandou parte da operação.
Foram três meses de investigação e interceptações telefônicas que captaram conversas das lideranças em diversos estados, entre eles, Mato Grosso do Sul. O delegado diz que ainda é necessário identificar como essas lideranças conseguem ficar próximas e o motivo da preferência, nesta ordem, dos presídios de MS, SP e PR.
“De alguma forma, eles conseguem ficar no mesmo presídio, às vezes, no mesmo módulo ou até na mesma cela; e isso é importante para eles estrategicamente, facilita a comunicação e a tomada de decisões da facção”,
disse Gustavo Henrique. Dos 23 mandados de prisão expedidos em MS, somente um é de investigado que não está detido em algum estabelecimento penal do Estado e, aliás, continua foragido.
A Polícia Civil não divulgou os nomes dos presos. A reportagem apurou que integram a lista os faccionados conhecidos como Revoltado, Daleste, Dimas, Lenda Viva, Mormai, Celestino, Carroça, Parma, Pesadelo, Tranca Rua, Paraguai, Malta/Alemão, Igner e Jeba.
Fora e dentro dos presídios, os “Linha Vermelha” estão em pontos estratégicos de Mato Grosso do Sul. O promotor Hamilton Carneiro, do Gaeco de Alagoas, explica que estão neste nível hierárquico os “gerais” dos estados, que trabalham na organização do PCC, com batismo, cadastro e cumprimento das normas da facção.
Um destes presos é Junior César Figueiredo Santos, 22 anos, o Antony Maciel, que estava no Presídio de Segurança Máxima Jair Ferreira de Carvalho, em Campo Grande e teve mandado de prisão expedido na Operação Flashback II. Ele ocupa a função de “apoio do resumo” espécie de adjunto ou Secretário do Geral de MS, com elevada função na “Linha Vermelha”.
O Campo Grande News teve acesso a alguns áudios interceptados. Em gravações no dia 13 de junho, Antony Maciel conversa com a esposa (Lívia) e comenta que recebeu mensagem com atualização dos “decretados”, ou seja, os condenados à morte pelo PCC em 24 estados.
Ele se espanta com o número total, “212!” e passa a listar por estado. Segundo o Gaeco, alguns não entram na conta, pois têm autonomia de decisão. Quando chega aos sentenciados de Mato Grosso do Sul, comenta: “Quero nem olhar, meu Deus!”. A esposa tenta adivinhar e ele fala 17, ao que ela responde: “Aí só tem lixo!”. Em seguida, ele corrige para 27. Depois, em outra conversa, Antony fala a outros membros do PCC, inclusive a esposa "de parceiro", que estão todos cientes do que precisa ser feito.
Em outra gravação, de 3 de julho, Antony e diversos líderes do PCC promovem “julgamento disciplinar”, que termina com castigo físico imposto a um preso de estabelecimento penal não identificado. Pelo áudio, percebe-se que o homem deve apanhar enquanto se aguentar em pé. Ele tenta evitar alguns golpes e é advertido. “Não protege da cobrança não, que vai ser pior”.
A todo momento, o preso consulta Antony sobre o castigo imposto. “Enquanto não cair, pode dar continuidade”, ele responde. Em certo momento, o preso pede arrego. “Deu uma sentada aqui, diz que não aguenta mais”. O outro ordena: “fala para ele levantar aí” . O preso que está na cela diz que “já está posicionado aqui”. Antony responde: “Pode meter mais, bichão”.
O promotor Humberto Carneiro diz que as informações interceptadas serão remetidas aos Estados para continuidade das investigações.
A primeira fase da Operação Flashback teve investigação iniciada em abril de 2019, culminando no cumprimento de mandados de busca e apreensão e de prisão em novembro daquele ano.