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Capital

Marcada por cárcere, família de Cira volta a ser vítima de violência

Um dos filhos de Cira, um jovem de 19 anos, foi atingido a golpes de facão pelo avô de 80

Danielle Valentim, Ronie Cruz e Silvia Frias | 27/07/2019 17:50
Na fotografia, Cira, pouco tempo antes de falecer. (Foto: Kísie Ainoã)
Na fotografia, Cira, pouco tempo antes de falecer. (Foto: Kísie Ainoã)

Mais uma vez a família de Cira Igino da Silva, a mulher que virou notícia nacional após ser resgatada de um cárcere de 22 anos, está no centro de um caso de violência. Um dos filhos, Jah Igino Borges, de 19 anos, foi ferido a golpes de facão pelo próprio avô, pai de Cira, neste sábado (27).

O crime foi presenciado pelo irmão, um adolescente de 15 anos. Ao Campo Grande News disse que o avô já chegou gritando. “A discussão começou quando Jah ia almoçar e segurava um prato de plástico. Aí ele quebrou um prato de vidro. Eu percebi que meu avô pegou um facão e avisei. Aí meu irmão pegou um machado e meu avô esfaqueou ele na cabeça. Aí meu avô deu outra facada, ele no chão”, conta.

O filho mais velho, Zaqueu Borges, de 20 anos, não estava no momento do esfaqueamento, mas garante que Jah só estava brincando. “Meu irmão brincou com ele. Pegou uma machadinha e fez brincadeiras, meu avô não entendeu assim e pegou o facão. Foram dois golpes. Agora estou esperando mais informações da saúde dele”, conta.

Na delegacia, uma das irmãs de Cira, de 47 anos, que não quis ter o nome divulgado, conversou com a reportagem. Ela também não estava na casa, mas prestou depoimento e acompanhou o garoto de 15 anos, que também foi ouvido pela polícia. “Meu pai tem 80 anos, mas é um homem muito sistemático e que não tolera desobediência. Sabe como que é adolescente, ?”.

Ela confirmou que avô e neto brigam com frequência. Na casa moram o idoso, uma filha e cinco netos. “Eu fiquei bem mal, a gente fica abalada, porque um idoso quer ferir o neto, né?”, pondera.

Aos policiais militares, o idoso teria dito que estava decidido a tirar o jovem de casa nesta tarde, por conta da falta de interesse nos estudos e trabalho. Adão Sabino deve permanecer na Depac  (Delegacia de Pronto Atendimento da Capital) até a audiência de custódia, na segunda-feira (29).

À reportagem, a assessoria de imprensa da Santa Casa informou que Jah Igino Borges, de 19 anos, deu entrada hoje às 15h. No momento está em avaliação pelo médico ortopedista devido o ferimento no braço esquerdo.

Ele realizou exames de imagens e laboratoriais. Está na área verde do pronto-socorro, consciente e orientado. O corte na cabeça foi superficial.

Os familiares foram ouvidos pela equipe de investigadores e pelo delegado Luiz Alberto Carneiro, plantonista da delegacia.

Sofrimento sem fim - A vida de Cira da Silva, que faleceu em 2015 dois anos depois do resgate, virou um inferno depois do início do casamento com o pedreiro Ângelo da Guarda Borges.

A prisão domiciliar se estendeu aos quatro filhos, que até hoje sofrem com o trauma. O dor atinge qualquer um só de ouvir os relatos de Zaqueu, o filho mais velho. Em abril deste ano, o Lado B conversou com o rapaz, que relatou o que passaram e como vivem hoje.

“A gente vivia trancado, sofria agressões verbais e físicas. Meu pai bebia direto, xingava minha mãe e batia. Se lhe dava um prato de comida e tivesse sem sal, ele jogava o prato nela ou na parede. Nós chorávamos apavorados, não conseguia fazer nada na época, e se fizesse, ele dava porrada, pegava o que aparecesse na frente e jogava em nós”, recorda Zaqueu.

A protagonista, dona Cira, ficou presa na residência por 22 anos, humilhada e agredida na frente de Zaqueu e de três filhos que hoje têm, 11 e 15 anos.

“Ele já pegou uma mangueira de gás, fio de energia e batia na gente. Eu ficava numa beliche, na parte de cima, e lá vinha ele me bater a noite toda. Jogava coisas na minha mãe. Às vezes, deixava a chave da casa com ela, para receber algum material de construção. Queríamos sair de lá, mas sentíamos medo, receio dele vir atrás”, conta.

Além de todos os sofrimentos, família era proibida de buscar qualquer atendimento médico, de manter contato com vizinhos e familiares, de forma que os menores sequer conheciam seus avós maternos.

A situação de violência e subjugo era tamanha que se chegou a denominar o quadro como “síndrome da mulher espancada”, em que a violência é seguida de problemas emocionais, como distúrbios mentais e sintomas clínicos como gastrites, úlceras e dores musculares.

Na época, o pedreiro se opôs a algumas alegações. Disse não ter mantido a ex-esposa em cárcere privado, pois segundo Ângelo, ela tinha a chave da residência. Afirmou, ainda, nunca ter proibido de visitar família, alegando ser opção pessoal não ter contato com os avós das crianças.

Além da indenização de R$ 100 mil, Ângelo também foi condenado pela 2ª Vara de Violência Doméstica pelos crimes de lesão corporal, constrangimento ilegal e ameaça, em relação à mulher.
O pedreiro também foi condenado pela 7ª Vara Criminal como incurso nos delitos de maus tratos e de constrangimento ilegal em relação a seus quatro filhos.

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