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No 2020 com 900 mortes a mais, coveiro testemunha o mais triste adeus em 28 anos

Marcado pela pandemia, 2020 não trouxe reflexões sobre morrer, destino de todos nós, mas sobre como morrer

Aline dos Santos | 24/12/2020 07:18
Flores e condolências no Cemitério Parque das Primaveras. (Foto: Marcos Maluf)
Flores e condolências no Cemitério Parque das Primaveras. (Foto: Marcos Maluf)

Do ano em que viu a sua profissão ganhar as manchetes dos jornais, no episódio em que o presidente Jair Bolsonaro, ao comentar a pandemia do novo coronavírus, declarou “eu não sou coveiro, tá certo?”, o coveiro Nelson Carlos da Silva Júnior, 43 anos, guarda o sepultamento mais triste que testemunhou.

O caixão desceu ao gramado do Cemitério Parque das Primaveras sem o olhar de um parente. A família do morto pela covid-19 também estava doente, em isolamento, sem condições de presenciar o último adeus. O enterro que faz morada na lembrança de Nelson, há 28 anos na profissão, também foi o único do cemitério, aberto em 1973, em que ninguém foi se despedir do morto.

“Foi um sepultamento que não veio ninguém da família. Descemos a urna e não tinha ninguém de longe porque todo mundo estava doente. E o mais triste é que a pessoa antes fica no hospital, a família não vê mais”, diz Nelson.

Para 2021, Nelson sonha com dias melhores. “Que essa pandemia se acabe a e gente volte a ter vida normal”. (Foto: Marcos Maluf)
Para 2021, Nelson sonha com dias melhores. “Que essa pandemia se acabe a e gente volte a ter vida normal”. (Foto: Marcos Maluf)

De dentro dos reforçados equipamentos de proteção - que antes já incluía luvas, botas e máscara N 95 (com filtro)-, o coveiro também vê o desespero provocado pelos caixões lacrados, uma das exigências das autoridades sanitárias. Como a mãe inconsolável diante do adeus a distância do filho de 35 anos, mais uma vítima da covid.

Para 2021, Nelson sonha com dias melhores. “Que essa pandemia se acabe a e gente volte a ter vida normal”.

Marcado pela pandemia, 2020 não trouxe reflexões sobre morrer, destino de todos nós, mas sobre como morrer. A doença impôs solidão e a dor de não ter velório, até então comum  ritual de despedida.

Em 2020, o novo coronavírus a impôs solidão e a dor de não ter velório. (Foto: Marcos Maluf)
Em 2020, o novo coronavírus a impôs solidão e a dor de não ter velório. (Foto: Marcos Maluf)

Neste ano, Campo Grande registrou 900 sepultamentos a mais no comparativo com 2019. De acordo com o diretor-presidente da Agereg (Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos), Vinícius Leite Campos, foram 6.517 sepultamentos em cemitérios de Campo Grande entre janeiro e 21 de dezembro deste ano.

Em 2019, no mesmo período, o total de sepultamentos chegou a 5.617. Os dados da agência são abastecidos pelos cemitérios.

“Muito, muito, muito triste”. A repetição da palavra marca a fala de Thereza Christina dos Santos Pereira Lopes, proprietária do cemitério, sobre o ano que se finda em 31 de dezembro. Com 15 hectares, o Parque das Primaveras foi inaugurado em 1973  e tem 15 mil pessoas sepultadas. A construção começou em 1971, com um plano de vendas que foi um sucesso.

Cemitério Parque das Primaveras tem 15 mil pessoas sepultadas. (Foto: Marcos Maluf)
Cemitério Parque das Primaveras tem 15 mil pessoas sepultadas. (Foto: Marcos Maluf)

O local foi escolhido como última morada por quem pôde pagar por um espaço no gramado, entre flores, árvores e o canto dos pássaros. Conforme a proprietária, o fim de ano se mostra o período mais turbulento da epidemia. Em 18 dias de dezembro, foram 34 sepultamentos de vítimas da covid-19. No ano todo, o total foi 65. Nos piores dias, são até quatro enterros sem velório.

A pandemia de covid-19 chegou, oficialmente, em 14 de março a Mato Grosso do Sul,  o sábado em que a SES (Secretaria Estadual de Saúde) divulgou a confirmação dos dois primeiros casos em Campo Grande. Nove meses depois, a Capital registrou 938 óbitos por covid-19 até 22 de dezembro.

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