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Capital

Nova lei sobre alunos com deficiência é rechaçada por entidades e pais

Prefeitura vetou, mas vereadores derrubaram veto e Câmara promulgou lei considerada "excludente"

Caroline Maldonado | 08/06/2022 12:21
Assistente educacional inclusivo e estudante da rede municipal de Campo Grande. (Foto: Divulgação/PMCG)
Assistente educacional inclusivo e estudante da rede municipal de Campo Grande. (Foto: Divulgação/PMCG)

É impossível cumprir a lei que foi promulgada nesta semana em Campo Grande e seria até um retrocesso para a educação inclusiva. Essa é a opinião de entidades, pais e mães de pessoas com deficiência sobre a Lei Municipal 6.860, que cria índice para avaliar a inclusão de alunos com deficiência em escolas.

O problema é que, além disso, a lei determina que os estudantes sejam encaminhados com prioridade para unidades que tenham índices de educação inclusiva mais altos em relação a deficiência, ou seja, que estudem junto a colegas com a mesma deficiência.

A lei foi vetada pela prefeita Adriane Lopes (Patriota), mas o autor da proposta, o vereador Riverton Francisco de Souza, o “Prof. Riverton” (PSD), insistiu no tema e o veto foi derrubado por maioria dos vereadores.

Com a derrubada, a lei foi promulgada na segunda-feira (6).  A prefeitura argumentou que o projeto era ilegal e ainda invadia a competência do Executivo.

Separar alunos por deficiência ou grau é totalmente contra o que traz a Convenção Internacional das Pessoas com Deficiência e a LBI (Lei Brasileira de Inclusão), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, segundo a secretária-geral adjunta da Comissão do Direito das Pessoas com Deficiência e da Acessibilidade da OAB-MS (Ordem dos Advogados do Brasil), Rita de Cássia Fuentes Luz Suenaga.

Essa lei municipal é conflitante, porque cria situação de segregação. O que entendemos por inclusão é estar junto, incluir, e quando se cria um índice de medir um grau, dizendo ‘você é cego vai para lá, é surdo vai para lá’ é o oposto do que vem se construindo ao longo do tempo. Isso iria limitar o desempenho tanto do aluno quanto do professor. Isso é muito prejudicial ao desenvolvimento de todo e qualquer ser humano”, diz Rita.

Secretária-geral adjunta da Comissão do Direito das Pessoas com Deficiência e da Acessibilidade da OAB-MS (Ordem dos Advogados do Brasil), Rita de Cássia Fuentes Luz Suenaga. (Foto: Divulgação/OAB-MS)
Secretária-geral adjunta da Comissão do Direito das Pessoas com Deficiência e da Acessibilidade da OAB-MS (Ordem dos Advogados do Brasil), Rita de Cássia Fuentes Luz Suenaga. (Foto: Divulgação/OAB-MS)

A advogada lembra que, por lei, todas as escolas têm que atender as pessoas com deficiência de forma igual e classifica a lei promulgada como “segregadora e retrocedente”, porque antigamente, isso ocorria muito, mas houve avanços com a Lei 13.146, que traz o estatuto com os parâmetros orientativos para proceder em relação a educação inclusiva.

Será que essa lei não esta violando os direitos dos estudantes com deficiência de conviver com os demais, uma discriminação totalmente velada?”, questiona Rita.

Mães e pais - Mãe de dois autistas, Inezita Oliveira Vercelino classifica a lei como “infundada”. Ela faz parte do grupo Amar Inclusão, que reúne pais, mães e amigos de autistas e conta que a lei desagradou todo o grupo.

Criar polos quer dizer tirar a nossa democracia. Seríamos obrigados a levar filhos para um polo, a família escolhe onde é o melhor local que pode levar. Se não tem carro, não tem sequer condições de levar ao tratamento, imagine levar para onde essa lei determinou. Ao invés de viabilizar a inclusão, vai levar à segregação”, lamenta Inezita.

Segundo Inezita, os vereadores não consultaram as entidades que atuam no tema. “Infelizmente, não fomos consultados sobre essa lei e a Semed agendou uma reunião e os vereadores da comissão não compareceram. Apenas um deles mandou um representante”, diz.

Presidente da Comissão de Defesa do Direito da Pessoa com Autismo da OAB-MS, a advogada Raíssa Duailibi Maldonado Carvalho, acredita que o índice de avaliação do atendimento não retira o direito à educação e à inclusão, mas avalia os serviços prestados pelas instituições de determinada comunidade escolar e seus recursos e a aplicação deles.

Havendo qualquer desrespeito à educação inclusiva, a OAB pode encaminhar ao Judiciário, conforme destaca a advogada.

“Cabe à população, o munícipe ou o indivíduo que se sentir prejudicado ou excluído buscar a Comissão, a Defensoria Pública, ou o Ministério Público para sanar ou dirimir esse assunto, quanto a isso estamos a disposição”, explica Raíssa.

Vereador Riverton Francisco de Souza, o “Prof. Riverton”, autor da Lei 6.860, que cria índice para avaliar a inclusão de alunos com deficiência em escolas. (Foto: Izaías Medeiros/CMCG)
Vereador Riverton Francisco de Souza, o “Prof. Riverton”, autor da Lei 6.860, que cria índice para avaliar a inclusão de alunos com deficiência em escolas. (Foto: Izaías Medeiros/CMCG)

Diante da repercussão, o vereador defende a lei. Riverton diz que não vê o índice e as normas da lei como “segregação” e sim uma opção de consulta para os pais, para que caso queiram, coloquem seus filhos na escola que tenha mais recursos estruturais e de pessoal para atender o aluno especial.

A finalidade principal é dar mais clareza em relação às condições de inclusão das escolas da capital, com isso, os pais ou responsáveis poderão identificar qual unidade escolar tem mais recursos estruturais e de pessoal para atender o aluno com necessidades especiais”, diz o vereador Riverton em nota enviada ao Campo Grande News.

O vereador disse que pretende criar uma comissão de acompanhamento da execução da lei com representantes da Comissão de Educação e Desporto, Comissão Permanente de Acessibilidade, Secretaria Municipal de Educação, representantes de instituições de pessoas com deficiência e também com os pais desses alunos, para que todas as decisões em relação ao tema sejam tomadas de forma criteriosa, a partir das pessoas que são mais interessadas no assunto.

Em nota, a Semed (Secretaria Municipal de Educação) classificou a lei como retrocesso e informou que já cumpre as políticas de educação inclusiva. Confia a nota:

"A Reme (Rede Municipal de Ensino) tem, aproximadamente, 3,1 mil alunos com deficiência matriculados. Todas as unidades escolares estão preparadas para receber os alunos com algum tipo de deficiência. A Semed (Secretaria Municipal de Educação) esclarece que as atuais políticas públicas de atendimento oferecidas estão muito à frente da referida lei promulgada na segunda-feira (6) - cujo veto total foi publicado no Diogrande no dia 20 de abril de 2022.

Os alunos da REME, com as mais diferentes deficiências, estão incluídos e distribuídos pelas unidades escolares, e em cada sala de aula onde existe um aluno com deficiência também há um profissional de apoio para auxiliá-lo na inclusão. Além disso, a Reme tem 69 salas de recursos multifuncionais para realizar o atendimento educacional especializado e prepara mais oito novas, que estarão em funcionamento no segundo semestre de 2022, totalizando 77 salas.

A Semed esclarece que a Lei promulgada prevê a criação de escolas-polos, e tal medida é preocupante no sentido de que regulamenta a segregação, com excesso de matrículas de alunos com uma única deficiência, e não a inclusão, prática sociais que confrontam o que se preconiza com os avanços obtidos nas políticas públicas de até então, as quais estariam sendo fragmentadas, sem que fossem consideradas.

É um evidente retrocesso nas conquistas, pois a Reme é uma Rede de Ensino e não uma escola especial. Além disso, o texto mistura e confunde a atuação da Educação, Saúde, Assistência Social, e não deixa claro qual será o método e os critérios para a confecção deste 'Índice Municipal de Educação Inclusiva (IMEI)'.

Desta forma, a Reme já cumpre os dispositivos de sua competência apresentados na lei e possui políticas públicas efetivas e eficazes muito à frente do proposto."

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