Para salvar filha do ex, mãe perdeu a conta de quantas vezes chamou a polícia
No dia que descobriu que a filha apanhava, o medo de a perder para o femínicidio começou

Alessandra* já perdeu as contas de quantas vezes chamou a polícia para o agressor de sua filha. Foram incontáveis ligações, idas ao batalhão e muitas horas dentro do ônibus até a Casa da Mulher Brasileira. Medo é um sentimento constante, mas ele não impede a mulher, que já passou dos 60 anos, de tentar salvar a filha de seu algoz.
RESUMO
Nossa ferramenta de IA resume a notícia para você!
Alessandra, uma mulher de mais de 60 anos, luta para proteger sua filha Mariana de violência doméstica. Mariana sofre agressões do ex-marido Roberto e do ex-sogro. Alessandra já acionou a polícia várias vezes, mas os agressores continuam soltos. Apesar das medidas protetivas, a violência persiste. Alessandra se mudou para perto da filha para tentar protegê-la, mas vive com medo constante de que algo pior aconteça. Ela busca ajuda da polícia e da Casa da Mulher Brasileira, mas sente que as ações não são suficientes para garantir a segurança de Mariana.
Desde o começo, Alessandra conta que nunca aprovou o relacionamento da filha Mariana* com Roberto*, pois já sabia que a família dele não tinha bom histórico. “Eu conhecia ele. Eu fiquei sabendo que o seu pai tinha matado pessoas por causa dele. Desde quando ele era de menor, ele já acabou com a vida do pai dele, então eu nunca quis”, diz.
Na época, Roberto estava preso e foi da prisão que a história do casal começou. A desaprovação de Alessandra não impediu que o relacionamento se desenvolvesse e durasse um pouco mais de uma década.

Mas não foi uma década de paz, pelo contrário. Em algum momento, que Alessandra não sabe determinar, a filha passou a sofrer violência doméstica em casa. Quando soube por uma outra pessoa que Mariana apanhava do marido, Alessandra descreve o que sentiu.
Deus me livre. Daí acabou para mim. Não deixei mais ele ficar em paz também”, afirma.
A partir disso tiveram inícios às ligações para a Polícia Militar que até hoje não cessaram. A primeira vez que acionou a PM, ela recorda que ensinou o caminho para que a equipe conseguisse prender o agressor. “Eu liguei, falei: 'Você vai pela frente, põe a viatura no fundo, porque o muro é baixinho, você pula e arranca a grade’. Ele arrancou mesmo, arrancou e tirou ele de lá”, conta.
Essa foi só a primeira de muitas. Em outra ocasião, ela resolveu ir pessoalmente ao batalhão. “Aí veio três viaturas aqui comigo. Ele correu, se escondeu, mas é assim: ele se escondia e quando a polícia acabava de sair, ele voltava”, fala.

À distância, Alessandra sentiu que não conseguia ajudar, por isso, se mudou para bem perto da filha. Hoje, o casal está separado, a última agressão foi há quase 12 meses. “Ele bateu nela de espeto, aqueles grandes”, comenta.
Para piorar, Mariana não apanhou só do marido, mas também do sogro. Ele é outro homem que faz parte dessa história permeada pela violência doméstica. Ele é outro homem que já fez Alessandra pegar o celular e chamar a polícia.
Durante a conversa, Alessandra mostra alguns papéis no nome da filha que citam medida protetiva contra o ex-marido e o ex-sogro. Os documentos, na prática, não impedem novas investidas agressivas de nenhum dos dois. “Esses dias ele (Leandro) estava lá, em cima da casa dela. Você acredita? Ele estava em cima da casa dela. Eu fui lá e falei: 'Você está aqui de novo, eu vou chamar a polícia de novo'. Aí ele foi embora, ele não está vindo mais por causa de mim”, declara.
Pai e filho já foram presos pela Lei Maria da Penha, mas agora seguem soltos. “Várias vezes (foram presos). Dormiam lá, saíam cedo e depois já estavam aqui. Igual ele tá ali agora”, relata. O “ele” se refere ao ex-sogro de Mariana que diariamente a procura, pedindo para voltar com o filho dele. Em outras vezes, zomba, faz ameaças. “Ele fala que não tem medo, falam para os outros que eles matam mesmo”, ressalta.
Em alerta constante, Alessandra não consegue dormir. O medo de ter a filha assassinada, ser mais uma nas estatísticas do feminicídio, fala mais alto. Nesse cenário violento, ela menciona que tem medo da filha ser vítima do ex-marido ou do ex-sogro. “Eu tenho medo porque eu não durmo de noite. Sabe por quê? Com medo de ele pular lá, até o velho mesmo, com medo de ele pular ali”, relata.
Alessandra não entende porque o agressor da filha nunca é preso de forma definitiva. Ele, que por mais de uma vez deixou Mariana desacordada em um dos episódios de violência. "Ele já desmaiou ela três vezes. Eu estava na minha amiga e ela falou: ‘Mãe, quase que a senhora não me vê mais, a senhora ia me perder’", recorda.
Ela recorre à polícia e, às vezes, o pedido de socorro não é atendido. Em uma das vezes que a filha apanhou, ela procurou a Casa da Mulher Brasileira. “Eu fui lá e falei: 'Olha, eu sou mãe da *, ela toma remédio controlado'. Eu fui lá de ônibus, com fome, cedo. Cheguei lá e falaram para mim que eles não podiam fazer nada, que eu também não podia fazer nada, que tinha que ser ela”, declara.
Alessandra vive tentando não perder a filha. Cada chamada no 190 é uma nova tentativa. Só isso já não basta. No final da entrevista, pergunto o porquê de ela ter procurado a reportagem.
A gente chama a polícia, a polícia prende e solta de novo. Eu falei: ‘Eu tenho que tomar providência porque daqui a pouco eu vou perder ela'”, conclui.
*Alessandra é um nome fictício para preservar a identidade da personagem e de terceiros.
Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para acessar o canal do Campo Grande News e siga nossas redes sociais.