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Capital

Solidariedade “cobriu” quem só tinha papelão para enfrentar noite fria

“Essa noite foi bem difícil. Ainda bem que me ajudaram. Passaram, me viram e doaram três cobertores”, contou Anderson

Izabela Sanchez e Bruna Marques | 21/08/2020 08:15
Atrás do sono, os caixas eletrônicos do Banco do Brasil na Avenida Afonso Pena (Foto: Kisie Ainoã)
Atrás do sono, os caixas eletrônicos do Banco do Brasil na Avenida Afonso Pena (Foto: Kisie Ainoã)

“Em casa de menino de rua, o último a dormir apaga a Lua” é verso conhecido do poeta Giovani Baffo. É possível fechar os olhos para amenizar a luz da lua. Impossível é se esconder do frio. Em Campo Grande, quem enfrentou a noite fria de quinta-feira (20) abrigando-se no pequeno teto de prédios públicos, a solidariedade tornou-se “cobertor” enquanto o corpo descansou em papelão.

Anderson, 31, soropositivo e na rua sem máscara no frio e na pandemia de covid (Foto: Kisie Ainoã)
Anderson, 31, soropositivo e na rua sem máscara no frio e na pandemia de covid (Foto: Kisie Ainoã)

As pessoas em situação de rua, nomenclatura usada por entidades para os “moradores de rua”, enfrentaram frio intenso de 5,4°C, mas o frio sentido pelo corpo foi de 3°C. É o que indicaram as estações de medição sobre a madrugada desta sexta-feira (21), segundo o meteorologista da Anhaguera/Uniderp, Natálio Abrahão.

Nesta manhã, quem anda no Centro caminha de cabeça baixa e puxa o capuz. Um privilégio. Anderson Vicente, 31, exibia shorts, meias até a canela e um moletom. Além do frio e da pandemia de covid-19, enfrenta também o HIV. Está na rua há dois meses. Não exibia máscara.

Enquanto Anderson vai abrindo os olhos, se prepara também para deixar o local onde se abriga, cujo nome é ironia com a situação de quem dorme ali: Previdência Social. Ele dormiu em frente ao prédio localizado na Rua 7 de Setembro.

As mãos são o termômetro porque tremem quando o frio é intenso (Foto: Kisie Ainoã)
As mãos são o termômetro porque tremem quando o frio é intenso (Foto: Kisie Ainoã)

Anderson vai contando sua história na manhã gelada. É impossível não pensar em versos duros, talvez os únicos para tempos, também, duros. “Vamos cantar pra nossos mortos. Vamos chorar pelos que ficam. Orar por melhores dias, e se humilhar por um novo abrigo”. Assim escreveu o rapper Criolo para a música “Casa De Papelão”.

“Essa noite foi bem difícil, ainda bem que me ajudaram com três cobertores. Passaram, me viram e doaram três cobertores. Eu forrei um papelão no chão e me enrolei nos três cobertores. O frio piora a minha situação”, diz Anderson.

Quem também buscou abrigo em teto curto foi Bruno Oliveira, que preferiu não contar a idade. Enquanto a correria dos negócios deixa, ele dorme na entrada da sede do Banco do Brasil em Mato Grosso do Sul, no cruzamento entre Avenida Afonso Pena e Rua 13 de maio.

Abrindo caminho para entrar no banco enquanto dois ainda dormem no chão (Foto: Kisie Ainoã)
Abrindo caminho para entrar no banco enquanto dois ainda dormem no chão (Foto: Kisie Ainoã)

Vive na rua há 5 anos. Estava um pouco mais preparado do que Anderson. Utilizava três casacos e se cobria com dois cobertores, também deitado em papelão.

“Foi muito difícil. Passei muito frio. Mesmo com os casacos e as cobertas não dá pra se esquentar. Quando o banco abre eu tenho que sair daqui e procurar outro lugar”, contou ele.

Mais frio vem por aí - As temperaturas vão continuar caindo ao longo da passagem da frente fria. O Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) reforçou alerta de declínio maior do que 5ºC em Campo Grande e outras 48 cidades. O aviso emitido ontem à noite termina nesta sexta-feira às 22h59.


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