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Capital

Temporal ocorrido há uma semana levou tudo de quem vive sob viaduto

Famílias que encontraram abrigo ao lado do Rio Anhanduí contam que tiveram colchões, alimentos e ferramentas de trabalho carregados por enchente

Humberto Marques e Geisy Garnes | 06/03/2019 06:01
Viaduto sobre o Rio Anhanduí, na Avenida Manoel da Costa Lima, virou moradia para pelo menos dez famílias. (Foto: Geisy Garnes)
Viaduto sobre o Rio Anhanduí, na Avenida Manoel da Costa Lima, virou moradia para pelo menos dez famílias. (Foto: Geisy Garnes)

A tempestade que há uma semana castigou Campo Grande, causando estragos em diferentes pontos da cidade, também tomou posses de um grupo formado por aproximadamente dez famílias que, contrariando a ordem pública, vivem sob o viaduto no cruzamento das Avenidas Manoel da Costa Lima e Ernesto Geisel, limite do Jardim Nhanhá com a Vila Jacy. O local é morada recente para alguns, mas endereço fixo de anos para outros, que têm em comum os perigos do vizinho mais antigo: o Rio Anhanduí.

Rogério da Silva Farias, 46, vive com a mulher, Vânia Regina Gonzales, 38, em um barraco a poucos metros do viaduto, onde permaneceram por três anos –sendo que a vida sob pontes e viadutos da cidade se arrasta há dez. “Morava ali embaixo mas vim um pouco mais para cá”, contou ele à reportagem, em meio ao relato sobre o drama que viveram no dia 26 de fevereiro, quando a Capital registrou 106 milímetros de chuva, resultando em enxurradas que alagaram ruas, arrancaram asfalto e fizeram rios e córregos da cidades transbordarem.

“No dia da chuva acordei com a água batendo no pé. Peguei minha mulher e saímos correndo. A chuva levou tudo”, afirmou Rogério, que perdeu na enxurrada tudo o que tinham no barraco, inclusive as ferramentas usadas para fabricação de copos artesanais –o seu ganha-pão– e os doces vendidos por Vânia no cruzamento.

Graças a doações, conseguiram um novo colchão e materiais para erguer um novo barraco. Uma forma improvisada com arame permitiu que o artesanato voltasse a ser fabricado. “Mas ainda faltam coisas, como lâmpada e uma lona para cobrir”, disse ele. Já Vânia disse que o tênis que tinha descolou na chuvarada, restando-lhe uma sandália de plástico como calçado.

Rogério e os copos artesanais que fabrica no barraco reconstruído ao lado do Rio Anhanduí. (Foto: Geisy Garnes)
Rogério e os copos artesanais que fabrica no barraco reconstruído ao lado do Rio Anhanduí. (Foto: Geisy Garnes)

Em alerta – Da última cheia do Anhanduí –rio formado pelas águas dos Córregos Prosa e Segredo– ficou o medo. “Agora é só dar uma chuvinha que bate o desespero. Ontem chuviscou, estávamos deitados e já levantamos em alerta”, afirmou Rogério que, nos três anos no local, confirma que ultimamente o rio têm enchido mais –resultado, talvez, do maior volume de águas pluviais vindas dos sistemas de drenagem de bairros como o Jockey Clube e Jardim América.

Há quatro meses vivendo sob o viaduto, Carlos Vinicius está no local com a mulher. Na terça anterior, conta que estava sob a quina quando viu o rio enchendo. “A água chegou perto, mas não entrou. Só que já chegou de alagar aqui”, disse, explicando que, para prevenir perdas, guarda os bens mais importantes no alto. “Quando chove é aquilo, ficamos prontos para sair também”.

A comunidade, além de moradores fixos, costuma ser frequentada também por moradores de rua, que acabam “ganhando” roupas e alimentos de quem vive sob o viaduto. Outros viventes ali são os animais de estimação: cães e gatos que, graças ao apoio de entidades, algumas famílias conseguiram dar o sustento, pelo menos até agora.

Em 31 de dezembro, o Campo Grande News esteve no local e conversou com Maria Aparecida dos Santos, 50, e o marido, João Carlos Alves Martins, o Gauchinho, de 40 anos, que contavam com a ajuda de uma ONG para manter cinco cães e um gato. Hoje, porém, João afirma que ficaram três cães, todos castrados.

Destruído em chuva, barraco foi reconstruído com doações. (Foto: Geisy Garnes)
Destruído em chuva, barraco foi reconstruído com doações. (Foto: Geisy Garnes)

Fico – “A gente teve de doar alguns porque não estávamos conseguindo manter. A ração está cara”, disse João, segundo quem há movimentos na internet solicitando doações para os animais, porém, que não têm chegado em quantidade suficiente. No momento em que atendia a reportagem, João dizia que tentava vender alguns copos artesanais, também sua ocupação atual, para conseguir dinheiro e comprar o almoço.

Sobre a permanência no local, o discurso era semelhante: o morador afirma que está no viaduto desde 1994, vivendo no lado oposto das demais famílias –não sendo, assim, tão prejudicado pelas cheias de terça-feira passada. E não pensa para sair. “Não vou para um local onde estaria pior”, justificou.

A presença de famílias no local mobilizou, em pleno feriado, representantes da classe política. O deputado estadual Jamilson Name (PDT), por exemplo, disse que solicitaria às Secretarias de Estado de Direitos Humanos, Assistência Social e Trabalho do Estado e Municipal de Assistência Social apoio para os moradores do viaduto.

Segundo o parlamentar, em meio à chuva, algumas famílias buscaram abrigo em um posto de combustíveis em frente, mas logo retornaram ao local. Name considera que a permanência ali é perigosa, principalmente para idosos e crianças, e que a renda que obtêm vendendo artesanatos é insuficiente para seu sustento. “A sobrevivência deles é obtida com ajuda de outras pessoas da região”, disse. Lixo, riscos de dengue e animais peçonhentos e até ameaças de vizinhos são outros riscos citados pelo deputado para pedir mobilização em torno da comunidade.

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