Vila Carvalho é só tristeza em ano que bairro não vai para avenida
Sem carro alegórico, fantasias e ensaios, Vila Carvalho adormeceu sem Carnaval
Se houvesse uma trilha sonora para o Carnaval que não vai às ruas em 2021, certamente seria o clássico álbum lançado em 1975, "A Voz do Samba". A música famosíssima de Alcione é cantarolada pelo presidente da escola de samba Unidos da Vila Carvalho "não deixe o samba morrer, não deixe o samba acabar". Adormecida, é só na figura do carnavalesco José Carlos de Carvalho, que os moradores da Vila Carvalho veem o Carnaval.
Sem carro alegórico para ser terminado, sem fantasias a serem entregues, sem ensaios no barracão. O bairro adormeceu, nas próprias palavras do presidente. "A vila está silenciosa há muito tempo, adormeceu um pouco o bairro, porque quando acaba um desfile, a gente já começa a preparar o do próximo ano", explica.
Aos 76 anos, Zé ouve samba enquanto trabalha na empresa de móveis planejados. Na companhia do compositor Boróro, responsável por assinar boa parte samba-enredos da maioria das escolas da Capital, os dois falam sobre saudade, tristeza e como estariam num contexto completamente diferente se não houvesse pandemia.
"Para nós é uma lástima, mas temos compreensão do que está acontecendo, estamos cientes de que não poderia ter Carnaval", declara. A primeira fala é coberta pela razão, números de vítimas da covid-19, entre elas familiares do próprio fundador da escola de samba. Mas no coração, está a saudade da correria. "Se fosse em ano anterior, o movimento era intenso, estaríamos na organização, preparando carro, fantasia. O que mais sinto falta é do cansaço do Carnaval", diz.
No registro, o nome é Vagner Coelho Catarinelli, mas dentro e fora dos barracões das escolas de samba da cidade, o apelido é Boróro. Com 77 anos, ele tem na bagagem mais de 100 composições de samba enredo e respira Carnaval desde a infância.
"Desde os meus 5 anos de idade eu já ia nas matinês fantasiado, depois comecei a cantar e em 1976 tinha uma escola ensaiando perto de casa, a Mocidade Alegre, eu fui participar dessa escola..." A história é longa, mas em resumo, foi lá que ele encontrou o finado Picolé, um dos criadores da escola Unidos do Cruzeiro e responsável pela estreia de Boróro na composição. Essas informações são só para contextualizar o quanto o Carnaval faz parte da história de quem vive para colocar a festa na avenida.
"Sinto falta de compor samba e marchinha, da gente trabalhando no Carnaval, do povo junto. Nós ficamos esperando o Carnaval, mas sabemos que este não é o momento. Temos que pensar em primeiro lugar na saúde, sem saúde, não temos nada", sustenta.
São cerca de 600 pessoas que a escola bota na avenida todos os anos, a maioria deles moradores do bairro e dentro da idade classificada como de risco para a covid-19. "Meu desejo é que todos tomem a vacina para que possamos viver como vivíamos, de Carnaval o ano inteiro, porque não é só no dia não, é antes, desde a preparação", resume José Carlos de Carvalho.
E é dessa preparação que o funcionário Saturnino Marciglia, de 56 anos, está sentindo falta. Morador do bairro há 45 anos, ele gosta do Carnaval, apesar de não frequentar nem ir para a rua, vive a festa cultural pelas ruas do bairro e também na TV. "Este ano o bairro vai ficar sem graça, o povo aqui gosta muito, é animado. Passo pelo barracão onde sempre via os ensaios e este ano não teve nada disso", descreve.
Válido por conta da pandemia, ninguém contesta o fato de que ficar em casa é a melhor medida para se evitar a contaminação, mas comenta o quanto o Carnaval vai fazer falta. "O que eu mais gostava de ver era a alegria do povo, já enfrentamos tantas mazelas, essa é a época em que o povo aproveita e se diverte".
Filho de Zé, junto das funções na escola como de presidente da comissão do Carnaval e mestre de bateria, Wlauer Carvalho de 47 anos, é nascido no samba e acostumado à adrenalina que toma conta da escola nos dias que antecedem o desfile.
"Sinto falta dos ensaios da comunidade, todo mundo junto brincando e sorrindo, se fosse um ano em que tivesse Carnaval, isso aqui estaria uma loucura e talvez eu nem estaria conversando com você", exemplifica.
Mesmo na incerteza se sairiam ou não para a avenida, lá no ano passado a escola chegou a pensar o samba enredo de 2021. "Seriam os elementos elementares, como terra, ar, fogo, água. Escolhemos porque fala muito sobre natureza e todo este momento que estamos passando e por tudo o que fizeram com o meio ambiente", justifica.
Sem samba enredo, sem desfile, sem Carnaval, Wlauer diz que entende e que precisa pensar no todo. "Temos que pensar na nossa comunidade, nos desfilantes, no público. O sentimento é de tristeza, e este ano não temos motivo para fazer Carnaval, perdemos vários desfilantes para a covid", conta.
No silêncio da bateria, o desejo do mestre Wlauer é de que tudo passe logo. "Para que fiquemos juntos como sempre estivemos e que voltemos a encontrar as pessoas, porque a maioria dos integrantes da escola são de idade e por conta da pandemia, faz tempo que não nos vemos".