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Empregos

Em MS, menos de 30% das pessoas com deficiência estão no mercado de trabalho

Números são do IBGE e mostram contradição, porque empresas reclamam da dificuldade de cumprir cota para PcD

Mylena Fraiha | 19/04/2023 08:32
Carteira de trabalho e encaminhamento para vaga de emprego emitido pela Funsat (Foto: Paulo Francis)
Carteira de trabalho e encaminhamento para vaga de emprego emitido pela Funsat (Foto: Paulo Francis)

Mesmo com avanços sociais e trabalhistas, em Mato Grosso do Sul, apenas 29,8% das pessoas com deficiência são ativas no mercado de trabalho de alguma forma, desses, só 37,2% estão em condições formais de contratação.

Os dados são da PNS (Pesquisa Nacional de Saúde) de 2019, realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), e mostram uma contradição. Trabalhadores dizem que enfrentam o capacitismo, que há falta de condições de acessibilidade nas empresas, além de discriminação e preconceito no mercado.

Já os patrões garantem que tentam, mas não conseguem contratar PcD (Pessoas com deficiência) para cumprir a cota de trabalhadores com deficiência que é exigida por lei.

Conforme a Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, a deficiência é um conceito em evolução, porque é resultado da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras atitudinais e ambientais que impedem a sua efetiva participação na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

De acordo com a procuradora do MPT-MS (Ministério Público do Trabalho de Mato Grosso do Sul), Juliana Beraldo Mafra, o capacitismo é uma das formas que o preconceito contra as pessoas com deficiência é demonstrado.

Segundo Juliana, isso acontece porque o capacitismo pressupõe uma inaptidão para executar atividades de forma satisfatória baseado na deficiência da pessoa. “Embora haja incentivos e políticas públicas que visam à inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, como o Auxílio Inclusão, que concede meio salário mínimo para quem recebe o benefício da assistência social em razão de deficiência e trabalha, o capacitismo ainda é um obstáculo”.

Juliana Beraldo é a nova procuradora do MPT-MS em Três Lagoas (Foto: Reprodução/MPT)
Juliana Beraldo é a nova procuradora do MPT-MS em Três Lagoas (Foto: Reprodução/MPT)

Segundo ela, um dos argumentos utilizados por empregadores é de que algumas pessoas com deficiência têm receio de perder o benefício, caso seja demitido do trabalho. Entretanto, na prática, desde 1998, a Lei 9.720 assegura que o benefício pode ser retomado em caso de desemprego.

“O benefício de prestação continuada será suspenso quando a pessoa com deficiência começar a trabalhar. Se por acaso a pessoa perder o emprego, ela pode requerer a continuidade do benefício sem necessidade de nova perícia médica ou reavaliação da deficiência dentro do período de revisão do benefício”, explica Juliana.

Outro benefício importante é o Auxílio Inclusão, que tem como objetivo apoiar e estimular a inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho. Esse benefício é concedido no valor de meio salário mínimo por mês, para pessoas que exercem atividade remunerada e têm renda de até 2 salários mínimos.

Para ter acesso ao Auxílio Inclusão, é preciso ser beneficiário do BPC (Benefício de Prestação Continuada) ou ter recebido o benefício nos últimos 5 anos, ter inscrição atualizada e regular no Cadastro Único e no Cadastro de Pessoas Físicas, além de atender aos critérios de renda do BPC.

Preconceito - Mesmo com vagas de emprego voltadas à PcD, algumas pessoas ainda enfrentam o preconceito em processos seletivos devido as suas condições físicas. Rosemeire Castilho dos Santos, de 47 anos, relata que tem cegueira total desde os 12 anos e que enfrentou muitas dificuldades para conseguir se inserir no mercado de trabalho, mas nunca desistiu.

Desde os 17 anos, Rosemeire vem trabalhando em diferentes áreas, como telemarketing, telefonista, recepcionista, cantora e massagista. “Eu adquiri a deficiência visual aos 12 anos de idade. Desde então, me preparei para o mercado de trabalho, fiz cursos de qualificação e hoje estou empregada. Mas ainda existe muita resistência em relação às pessoas com deficiência visual. Mesmo assim, estou sempre buscando me capacitar e me atualizar”, explica.

A primeira oportunidade de trabalho de Rosemeire foi no Ismac (Instituto Sul-mato-grossense para Cegos "Florivaldo Vargas"), onde trabalhou por cinco anos. “Foi a minha primeira porta de entrada para o mercado de trabalho”.

Rosemeire relata que é contratada para cantar em eventos (Foto: Arquivo pessoal)
Rosemeire relata que é contratada para cantar em eventos (Foto: Arquivo pessoal)

No entanto, ela ressalta que não é fácil para pessoas com cegueira total conseguir emprego. “As pessoas com baixa visão têm mais chances de conseguir uma vaga, porque os empregadores acreditam mais em sua capacidade. Infelizmente, existem muitos preconceitos em relação às pessoas com deficiência visual”, lamenta.

Rosemeire relata que já enfrentou muitas barreiras e impedimentos ao se candidatar a vagas de emprego. Em uma das ocasiões, ela se candidatou a algumas vagas em Sidrolândia, mas quando os empregadores descobriram que ela tinha cegueira total, surgiram muitos impedimentos.

“Diziam que não havia acessibilidade no local de trabalho ou que não acreditavam que eu seria capaz de exercer a função. No entanto, as pessoas com deficiência visual passam por treinamentos e têm capacitação para o trabalho, assim como qualquer outra pessoa”, argumenta Rosimeire.

Para ela, os empregadores deveriam analisar a capacidade da pessoa e oferecer uma oportunidade para que ela mostre seu potencial. “Infelizmente, muitas vezes isso não acontece. As pessoas são rejeitadas logo de cara por causa da deficiência, sem ao menos serem consideradas para um período de experiência. É importante que as pessoas com deficiência visual tenham a mesma oportunidade de acesso ao mercado de trabalho que as outras”, enfatiza.

Mesmo enfrentando diversas barreiras, Rosemeire se mantém determinada e sempre busca se capacitar e se atualizar. Atualmente, ela está empregada e está cursando Pedagogia, com previsão de conclusão em agosto deste ano.

Falta de acessibilidade - Nelson Correia Tosta, de 62 anos, é representante comercial de uma autoescola, mas sua trajetória profissional foi marcada por dificuldades com acessibilidade. Ele explica que aos 5 anos de idade teve poliomielite, que acabou comprometendo os movimentos das duas pernas.

Até março do ano passado, Nelson trabalhava como inspetor de alunos em uma escola de Campo Grande. Desde que entrou na instituição, ele relata que precisava de adequações de acessibilidade no prédio, mas que estas nunca foram feitas. "Entre um pavilhão e outro existia um declive. A rampa não era adequada, era muito íngreme. Nunca fizeram essa adequação", conta Nelson.

De acordo com Nelson, ele chegou a conversar com o diretor do colégio que poderia arrumar a rampa com seu próprio recurso, mas que mesmo assim não teve resposta. “O diretor afirmou que era necessária uma autorização da diretoria-geral da rede de ensino. Só que essa autorização nunca vinha. Eu suspeito que nunca tenha sido levada à direção-geral”.

Além disso, Nelson afirma que, ao cobrar as adequações, a escola passou a encontrar falhas em seu trabalho. "Foi mais fácil mandar embora do que fazer as adequações no prédio", lamenta.

Nelson Tosta explica dificuldades que enfrentou no mercado de trabalho (Foto: Redes Sociais)
Nelson Tosta explica dificuldades que enfrentou no mercado de trabalho (Foto: Redes Sociais)

O representante comercial também relata dificuldades em processos seletivos. Ele conta que fez duas entrevistas e que chegou a ser aprovado no processo seletivo, mas nunca recebeu uma resposta definitiva.

Nelson acredita que sua condição de pessoa com deficiência e idade foram os motivos para não ter sido selecionado. “Depois, tentei vaga para trabalhar em um hospital daqui. Fiz a entrevista e estava tudo certo para começar na semana seguinte, mas já tem um ano e meio que estou aguardando e não tive nenhuma resposta. Acho que no meu caso não fui selecionado tanto pela questão da deficiência como pela minha idade. É um preconceito duplo”.

Atualmente, ele trabalha em uma autoescola, mas comenta que já passou por muitas dificuldades para encontrar emprego. "Desisti de fazer entrevistas em outros lugares. Hoje, trabalho na autoescola, que é de um conhecido de longa data e estou trabalhando no setor de vendas", diz Nelson.

Desigualdade - De acordo com a PNS (Pesquisa Nacional de Saúde) de 2019, realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em Mato Grosso do Sul, apenas 29,8% das pessoas com deficiência estão ativas no mercado de trabalho de alguma forma, e 37,2% estão em condições formais de contratação.

O número de trabalhadores é muito menor do que o de pessoas sem deficiência, que aparecem com 70,4% e 55,4% respectivamente do público. Por outro lado, a taxa de desocupação desse total é 4,6%, menor do que a encontrada no grupo de indivíduos sem deficiência, que é de 5,6%.

De acordo com o relatório, a taxa de desocupação equivale aos que buscaram emprego, mas não obtiveram sucesso, permanecendo ou se tornando desocupados. O levantamento foi calculado, considerando a divisão da força de trabalho (pessoas ocupadas e pessoas desocupadas), pelo total da população em idade de trabalhar, na faixa etária de 14 anos ou mais.

O desequilíbrio também é refletido na remuneração. Durante o ano de 2019, pessoas com deficiência tinham margem salarial mensal de R$ 1.639, enquanto os trabalhadores sem deficiência recebiam, em média, R$ 2.619, conforme levantamento do IBGE.

Lei n° 8.213 - Conforme a Lei n° 8.213, a quantidade de PcD mínima exigida pode variar de acordo com o total de colaboradores na empresa. Em um time de até 200 profissionais, deve haver pelo menos 2% de pessoas com deficiência. Com 201 a 500 empregados, 3% devem ser PcD.

Na faixa de 501 a 1000, 4%. Com mais de 1.001 pessoas compondo a equipe, a organização deve contar com no mínimo 5% de pessoas portadoras de necessidades especiais.

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