"Ele tentou me diminuir", diz a júri réu por assassinar advogado e queimar corpo
O corpo do advogado Severino Alves foi encontrado às margens da BR-419 carbonizado em dezembro de 2017
Acontece nesta quarta-feira (16) o julgamento de Willias Alves de Moura, réu pelo assassinato do advogado Severino Alves de Moura, ex-presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Aquidauana. O corpo do advogado foi encontrado às margens da BR-419 dentro da própria caminhonete, carbonizada, em dezembro de 2017.
O julgamento é transmitido ao vivo pelo Youtube, já que o acesso ao público foi restrito em virtude da pandemia do coronavírus. No plenário, só os jurados, quatro familiares da vítima e do réu e um representante da OAB.
Willias é julgado por homicídio qualificado por motivo fútil e destruição de cadáver.
“Eu vim falar a verdade”, respondeu ao ser indagado se queria falar dos fatos ou ficar em silêncio como permite a lei. Diante do juiz, ele confirmou ter discutido com o tio no dia do assassinato por conta da construção da cerca, que segundo ele, era dentro da sua propriedade e não atrapalharia ninguém. Durante o desentendimento, alegou, viu que Severino estava com uma faca na mão.
Chorando, ter vivido naquele momento todas as emoções de humilhação que a mãe, a tia e a avó eram submetidas pelo tio ao longo da vida. “Ali ele tentou me diminuir também”. Relatou que correu atrás do tio ao perceber que ele tinha “baixado a guarda da faca”, mas não conseguiu tirar a arma dele e se escondeu atrás de um dos postes que havia acabado de instalar na propriedade.
Quando o tio se aproximou com a faca na mão, contou, ele empurrou o poste. “Corri para trás de um poste, ele estava só no buraco, não estava fincado eu empurrei o poste com toda a minha força, ele bateu na cabeça dele e ele já caiu desfalecido”, disse em meio a lágrimas.
Diferente das versões apresentadas no processo. Willias afirmou que após matar o tio, fico em estado de choque e recebeu ajuda dos dois empreiteiros que trabalhavam com ele para colocar o corpo na caminhonete. Depois, pegou a rodovia, mas nervoso, acabou dirigindo com o freio de mão puxado e se acidentou. Saiu da pista e bateu entre duas árvores, por isso o veículo pegou fogo.
Ao ser questionado se tinha intenção de matar o tio, respondeu: “Jamais, jamais, jamais, eu só me defendi”.
A acusação - O primeiro depoimento no júri foi do delegado Antônio Ribas. Em plenário ele lembrou do dia em que o corpo de Severino Alves de Moura foi encontrado e detalhes da investigação. Relatou que a inconsistência e contradições do réu e dois funcionários dele foram o pontapé inicial para identificar o réu como autor do assassinado do próprio tio.
Conforme o delegado, foi apurado desavença entre vítima e autor por conta da divisão de terras que receberam como herança. No dia do crime, dois empreiteiros e Willias construíam cerca entre as duas propriedades, que atrapalharia o acesso de Severino à fazenda dele. Esse seria o motivo, segundo ele, da discussão na qual o advogado acabou morto.
Os depoimentos revelaram que no primeiro momento, Severino passou pelo local e questionou quem havia autorizado a construção da cerca. Depois, foi até sua propriedade, descarregou a caminhonete e voltou ao ponto em que os empreiteiros estavam para “tirar satisfação” com o sobrinho. Foi nesse momento que discutiram.
De longe os empreiteiros viram a discussão e presenciaram Severino ser perseguido por Willias. Pouco depois, o réu assumiu a direção da caminhonete do tio, passou pelos funcionários e avisou para que eles o encontrassem nas margens da rodovia, alguns quilômetros da propriedade. Eles obedeceram e ainda foram instruídos a mentir sobre o horário em que trabalharam na construção da cerca aquele dia. Versão completamente desmentida pelo réu.
Com base no depoimento dos funcionários, que viram discussão entre Willas e Severino e buscaram ele as margens da rodovia, realizaram a prisão do suspeito em frente a casa da mãe dele, horas depois. Na ocasião, tentou fugir correndo, mas foi capturado.
Durante o julgamento, o delegado e investigador que trabalhou diretamente na investigação, o segundo a ser ouvido, lembraram que no mesmo local em que o corpo e a caminhonete foram deixados e queimados, várias peças de metal do guard rail foram furtadas. Essas estruturas foram encontradas na propriedade de Willis e acabou resultando em outra investigação.
Para a polícia, na época, esse fato comprovou o conhecimento do autor sobre o local da ocultação do cadáver. Outro ponto reforçado pelos dois, é que não havia qualquer sinal de colisão na caminhonete, amassado na lataria ou frenagem no asfalto.
A defesa
Duas testemunhas da família foram chamadas ao plenário para prestar depoimento. O primeiro a falar foi o cunhado de Severino, casado com a irmã mais nova do advogado, 52 anos. Nas palavras dele, o ex-presidente da OAB era prepotente, se achava melhor que as irmãs e maltratava a mãe.
Ele afirmou que Severino ameaçava processar todo mundo da família. “Diminuía as irmãs e falava que ele que mandava. Para ele, quem tinha curso superior era superior”. Ainda conforme o parente, a vítima deixava faltar alimentos de qualidade para a mãe e o Willias não gostava do jeito que a avó era tratada.
Relatou ainda um episódio de briga entre o sobrinho e o cunhado durante uma visita a sogra dele na fazenda de Severino. Segundo ele, irritado ao ver a família em sua propriedade, Severino atacou a própria irmã com uma enxada. Willias interviu na situação e tentou tirar a “arma” da mão do advogado. No depoimento, ele relata que naquele momento teve medo de que algo pior acontecesse.
Durante o julgamento, a defesa de Willias reproduziu um vídeo em que uma mulher aparece ofendendo Severino e o acusando de não fazer o túmulo do próprio pai. A testemunha assistiu as imagens e reconheceu a voz da mulher como da sogra, mãe do ex-presidente da OAB, e também a casa dela. Ele afirmou ainda que a sogra era destratada pelo filho e que foi mantida praticamente em “cárcere privado” durante a divisão da herança da família.
Logo após o marido, a irmã caçula de Severino prestou depoimento. Visivelmente emocionada, ela contou que cresceu oprimida pelo irmão, mas que a situação se agravou depois da morte do pai. Nas palavras dela, o advogado “ameaça e aterrorizava” as irmãs e a mãe, que era machista, diminuía as mulheres da família e “destruía” elas com as palavras.
“Cresci aterrorizada com meu irmão. É muito sofrimento, dói, ele destruía a gente com palavras. Maltratou muito”, relatou emocionada. Contou ainda que o irmão impedia ela de ver a própria mãe, que a maltratava e não gostava do sobrinho porque ele era amoroso com os avós e se preocupava com eles.
Assim como o marido, reconheceu a voz da mãe no vídeo exibido no plenário e a casa em que foi gravado como a que ela cresceu. O julgamento continua nesta tarde com a manifestação do Ministério Público, da assistência de acusação e da defesa.