Em últimas orações, Elenir pedia para que Deus livrasse a família da covid-19
Sem querer procurar ajuda, Elenir passou uma semana sem nenhum tipo de atendimento e vendo a própria saúde piorar
Em uma das últimas orações que fez em vida, Elenir Mattoso Bairros, 64 anos, pediu a Deus que livrasse a família, filhas e netos da covid-19. E foi atendida. Ao menos até agora, as duas filhas que a acompanharam antes de falecer pela doença, no domingo, 28 de junho, não estão infectadas.
Internada no sábado, 27, já bastante debilitada, Elenir passou cerca de uma semana enfrentando a doença sozinha, sem buscar ajuda. Os primeiros sintomas da covid-19 apareceram em 21 de junho, dois dias depois de ter estado em Dourados, acompanhando uma das três filhas que teve, ao médico.
Moradora de Amambai, a 350 Km de Campo Grande, Elenir morava sozinha e as filhas em Dourados. Forte, ela não era de desistir fácil e tentou resistir aos sintomas da covid-19 até o fim, “mas era teimosa, não queria ir ao hospital, tinha medo de ficar internada”, conta uma das filhas, Márcia Rosa de Bairros, 42 anos.
Ela conta que a mãe ligou pra ela no domingo, 21, queixando-se de dores nas pernas e na cabeça. Suspeitou-se de uma gripe e foi até o Hospital Regional em Amambai, onde fez um teste rápido de covid-19 que deu negativo. Raio-x também foi realizado, mas não havia qualquer alteração mais grave. Ela não informou que havia estado em Dourados.
Elenir então voltou para casa e na segunda-feira já ficou com sintomas um pouco mais fortes, apresentando alguma dificuldade em respirar e já na terça, com falta de ar. “Na terça ela me ligou e falou que estava com muita dor no corpo e com falta de ar. Falei pra ela ir ao hospital, mas ela não quis porque dizia que se fosse iam dizer que era covid, porque tudo agora é covid”, lamentou.
Segundo Márcia, a mãe sempre foi o esteio da família, a mulher que cuidava de tudo e de todos. “Ela tinha muito medo de morrer sozinha em hospital e por isso falava que não queria ir”, disse, lembrando que na mesma terça-feira, 23, à tarde, “ela piorou e escondeu da família. Ela não contou que sentia muita falta de ar. Uma tia nossa que falou pra gente, porque ia visitá-la todos os dias”.
Apesar da piora no quadro, nada nem ninguém convenciam Elenir de procurar o hospital e levá-la à força parecia um desrespeito, diante da mãe e mulher imponente e forte. "Falei com ela naquela semana ainda, e ela contou que não tinha mais vontade de comer e eu me planejei pra ir pra Amambai no fim de semana”, disse Márcia.
No entanto, na sexta recebeu mensagem da mãe, via áudio, e percebeu que “mal saía a voz e dizia que estava cansada, cansada, mas que não iria pro hospital. Ela morava sozinha há anos, viúva a 12, não tinha como obrigá-la”.
Amanhece sábado, e a tia de Márcia liga, “desesperada”, informando que Elenir já estava sem voz, acamada. “Então e minha irmã que estava com o pé quebrado fomos para lá e eu não acreditei no que encontrei. Minha mãe estava verde, vegetando na cama, três dias sem banho e outros tantos sem comer”, contou.
Márcia então pegou a mãe, ajudou-a a tomar banho, “mas ela direto com falta de ar”. Mais uma vez, Elenir negou ser levada ao médico e as filhas pedindo a Deus que a mãe melhorasse. A mãe então pediu café e uma janta. Márcia cozinhou e ao sentarem na mesa para jantar, Elenir orou e pouco depois, começou a passar mal. “Ela era uma mulher de muita fé”, disse a filha.
“De repente parecia que deu uma ansiedade muito grande e íamos chamar o bombeiro, mas ela não quis. Foi questão de sentar, deu outra crise e ela vomitou sangue. Chamamos o bombeiro e eles a levaram pro hospital”.
Vaidosa, Elenir, segundo a filha, quis até “se pintar” para ser levada. “Lá eu expliquei que ela tinha estado em Dourados e na hora todo mundo pediu explicação da situação”.
No Hospital Regional de Amambai, os profissionais receberam Elenir e de imediato colheram novo teste rápido, que segundo Márcia, deu negativo para covid-19. “Mas eles fizeram aquele outro (RT-PCR), que deu positivo, mas o resultado saiu depois”.
Entre a noite de sábado e a madrugada de domingo, Elenir ficou em área isolada no hospital, “porque não sabiam o que ela tinha”, mas fizeram outros exames e o raio-x mostrou o pulmão dela encharcado de água. “Eles falaram que coalhou o sangue também”, conta a filha, se segurando para não chorar.
“Se eu pudesse dar a vida pra ela naquela hora, eu dava”, suspirou, lembrando do momento em que viu a mãe pela última vez. De volta à casa de Elenir, as filhas mal chegaram e o telefone tocou, pedindo para que voltassem ao hospital. “O enfermeiro disse que ela teve outra crise, convulsão e não respirou mais”.
Oração – No entanto, durante a crise, Elenir mostrou mais uma vez sua fé e conforme Márcia, o enfermeiro que a atendeu, testemunhou que ela falava com Deus durante o momento de sofrimento. “Na casa dela era orou duas vezes e uma no hospital”, relembrou a filha.
Nas palavras da mãe, o pedido era que as filhas e netos não fossem infectados pela covid-19, porque, mesmo não tendo a comprovação de que estava com a doença, sabia que podia ser. “Ela evitava tocar na gente. Cuidou da gente até o fim”, rememora.
“O que eu fiz, o que os médicos fizeram, foi o que podiam naquele momento. Eu tentei ajudar, mas não consegui, porque ela era teimosa, não queríamos contrariá-la. Ela foi mãe, amiga, avó, o esteio da casa. É triste você tentar salvar uma pessoa e não conseguir. É uma dor que não tem tamanho, o vazio q ela deixou”.
Ela foi enterrada em Dourados, ao lado do marido, falecido há 12 anos. “Não negaram, e conseguimos atender o último pedido dela”, diz Márcia. Além de três filhas, Elenir deixa cinco netos e uma bisneta.
Colaboração do jornalista Vilson Nascimento, de Amambai.