Índios têm medo de visitar a cidade depois da onda de boatos
Segundo dia em Antonio João, a 279 quilômetros da Capital, a equipe do Campo Grande News, iniciou o dia visitando o Distrito Campestre, a cerca de 8 quilômetros do centro, local em que mora cerca de 150 famílias indígenas e umas 20 não índias, que vieram para a cidade por questões de segurança e estão em casas de familiares. No lugar, a vida dos índios segue normal, mas os indígenas dizem ter medo de ir à cidade por medo de serem hostilizados ou agredidos.
No distrito funciona uma escola indígena e um posto da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), responsável pelo atentidento de saúde preventiva. A escola parou as aulas em razão dos professores estarem nas fazendas ocupadas, mas o posto de saúde funciona normalmente.
Foi em uma casa a pouco mais de 100 metros do posto da Sesai que encontramos o terceiro indígena que foi ferido no confronto com os produtores no último sábado, ocorrido na sede da fazenda Barra. Os outros dois foram um rapaz de pouco mais de 20 anos que foi atingido na testa e levou três pontos, e a bebê Analuani, de 13 meses, atingida por duas balas de borrachas, nas “costinhas” e na cabeça. Da parte dos produtores, a reportagem encontrou apenas um ferido com marcas de roxo nas costas provocadas por pedaço de pau. Todos passam bem.
Lázaro Palácio Franco, 42 anos, artesão e pastor da igreja evangélica indígena do distrito é morador do Capestre. Depois de ferido, ele foi levado ao hospital de Ponta Porã, a cerca de 70 quilômetros do local em que sofreu uma paulada no lado direito da cabeça provocando dois cortes, além de um ferimento, também no lado direito das costas. “A cabeça está bem, mas ainda sinto muita dor nas costas”, relatou.
Depois de receber alguns pontos e um corativo que exigiu o enfaixamento da parte superior da cabeça, Lázaro foi liberado no domingo do hospital e retornou para sua casa no distrito Campestre. Pai de três filhos, uma menida de 15, e dois meninos, um de 12 e outro de 16 anos, ele ainda cuida de dois outros sobrinhos já adolescentes. O artesanato é o fruto do trabalho para sobrevivência.
Faz colares, adereços indígenas e pequenas esculturas de animais em madeira trabalhada e vende na cidade e para os turistas que procuram visitar o local. Suas peças valem entre R$ 20 a R$ 50. Na igreja, ele diz que utiliza da palavra do senhor para retirar, principalmente, além de passar o ofício de artesão aos adolescentes para retirá-los do caminho das drogas.
Medo – No distrito Campestre a reportagem também encontrou a técnica de enfermagem, Isabele Aquino, 25 anos, e o esposo Leandro Gonçalves, 22 anos, agente de saúde, ambos funcionários no posto da Sesai. Eles tiveram de sair correndo com a pequena Nicole, de 4 meses, da sede da fazenda Barra no último sábado durante o confronto entre os índios e produtores.
Isabele relata que os boatos divulgados à população da cidade dizendo que os índios iriam atacar e colocar fogo deixaram os próprios indígenas apavorados, pois eles têm receio de irem à cidade e sofrer agressões e hostilidade das pessoas nas ruas. “Alguns produtores espalharam informação irresponsável na cidade e estamos com medo de ir a cidade até para comprar fralda para o bebê”, comentou Isabele, que disse também sentir-se impedida de ir sacar dinheiro no banco.
Outra questão levantada por Isabele é que os índios não teriam proteção da polícia, como está acontecendo com os produtores, que recebem a escolta da Força Nacional e do DOF (Departamento de Operações da Fronteira).
Ao deixar o local, o Campo Grande News encontrou o índio Pedro Cuarte Fernandes, 77 anos, e sua família, a mulher e três filhos jovens, de muitos que ele disse ter, mas não sabia a quantidade certa. “Tive bastante”, respondeu ele falando o português, lembrando que um morreu por ser picado de cobra.
Agachado à beira da rua de terra, ele parecia esperar alguma condução para sair do local, mas não quis entrar nos detalhes do seu destino. O senhorzinho, com dificuldades de comunicar devido a idade avançada revelou que nasceu na região da aldeia Marangatu e por um tempo morou na região de Dourados. Depois teria retornado para o local de origem, onde mora até então.
Sobre a questão do conflito por terra, ele lamenta que ainda aconteça tais situações, que levou a morte mais um indígena. “Quando sai daqui para Dourados foi em razão de confronto na época entre nosso povo e os produtores. Já era para ter sido resolvido isso”, opinou. Os filhos ficaram o tempo todo arredio e não quiseram conversar com a reportagem, mas todos atentos a conversa com o pai, sem qualquer interferência ou gesto hostil.
Nesses dois dias no município, a equipe do Campo Grande News tem tido livre acesso às áreas indígenas, mas é proibida a acessar as sedes das fazendas reocupadas pelos donos.
Por duas vezes a reportagem esteve no Sindicato Rural nessa segunda-feira para ouvir a versão dos fatos do ponto de vista dos produtores. A intenção seria ouvi-los sobre a situação vivida por eles e seus familiares. “Não dou entrevista a vocês e a ninguém, pois os jornalistas distorcem tudo que falamos”, declarou a presidente do sindicato, Roseli Ruiz.