Rota Bioceânica pressiona segurança em MS com risco de "novo corredor do crime"
Fluxo maior de cargas pelo Estado acende alerta sobre tráfico, contrabando e lavagem de dinheiro

Com a Rota Bioceânica ganhando forma entre Brasil, Paraguai, Argentina e Chile, cresce também a preocupação com os efeitos do novo corredor no aumento da criminalidade no território de Mato Grosso do Sul. O Estado já concentra parte significativa das apreensões de drogas no país e, com a perspectiva de maior circulação de cargas e veículos, forças de segurança buscam estratégias para evitar que a estrutura internacional seja usada pelo tráfico e pelo contrabando.
Na prática, a Rota deve transformar a logística sul-americana, ligando o oceano Atlântico ao Pacífico por meio de um traçado terrestre que passa diretamente por rodovias federais e estaduais de MS.
RESUMO
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A Rota Bioceânica, conectando Brasil, Paraguai, Argentina e Chile, levanta preocupações sobre o aumento do tráfico e contrabando em Mato Grosso do Sul. O estado, já responsável por grande parte das apreensões de drogas no Brasil, se prepara para intensificar a segurança com a criação de novas unidades da PRF e PM, além de reforçar a inteligência aduaneira. A Receita Federal e o Exército também participam com operações de análise de risco e monitoramento de fronteiras. Em Porto Murtinho, câmeras de vigilância e uma nova ponte binacional são parte dos esforços para controlar o fluxo crescente de cargas e pessoas.
Com maior circulação de veículos de carga e passageiros, cresce a possibilidade de que drogas, armas e mercadorias ilegais sejam ocultadas em meio a cargas regulares e cruzem fronteiras com menor risco de detecção. Segundo dados da PRF, o estado concentra 38% das apreensões de cocaína e 34% da maconha feita em todo o Brasil.
Além disso, o corredor interliga quatro países com níveis diferentes de fiscalização e controle, criando pontos de vulnerabilidade ao longo do trajeto. Um caminhão que passa sem ser inspecionado no Paraguai, por exemplo, pode circular até o Chile ou retornar ao Brasil com a carga “nacionalizada”, dificultando o rastreio da origem. O fenômeno é conhecido por autoridades como “dupla nacionalização de entorpecentes”.

Especialistas também alertam para o chamado efeito balão: se um trecho da rota tiver fiscalização rígida, os criminosos tendem a redirecionar o fluxo por áreas menos vigiadas. A lógica do crime é semelhante à do transporte legal — busca sempre o caminho mais rápido, menos fiscalizado e mais lucrativo.
O receio de que o corredor seja usado pelo crime organizado levou a Polícia Rodoviária Federal a firmar na última semana um memorando de entendimento com os países envolvidos na Rota Bioceânica, incluindo Paraguai, Chile, Argentina e, de forma complementar, o Uruguai. O acordo prevê troca de informações de inteligência, realização de operações conjuntas e intercâmbio de agentes entre as nações, com foco na repressão ao tráfico de drogas e armas.
PRF reforça presença - A Superintendência da Polícia Rodoviária Federal em Mato Grosso do Sul confirmou ao Campo Grande News a criação de uma nova Unidade Operacional da PRF em Porto Murtinho, ponto de entrada da rota no país. A base servirá para ampliar o controle do trânsito de cargas e passageiros, mas também atuará diretamente na fiscalização de crimes transfronteiriços. Além disso, a PRF em MS confirma que já está se adequando ao acordo multilateral estabelecido, de troca de informações com forças policiais dos países envolvidos.
Rodovias estaduais - O impacto da rota também é acompanhado de perto pela Polícia Militar Rodoviária de Mato Grosso do Sul, que estuda a criação de uma base em trecho estadual próximo a Porto Murtinho, ainda em fase de definição. O comandante do BPMRv, tenente-coronel Vinícius de Souza Almeida, afirma que o aumento do fluxo vai atingir tanto as BRs quanto as rodovias estaduais, com destaque para o escoamento do agronegócio.
Além da estrutura física, o BPMRv propôs a criação de um curso de formação específico para policiais que atuarão no corredor internacional. A ideia é que apenas agentes capacitados façam a fiscalização de veículos na rota, respeitando as normas locais e estrangeiras. “A proposta é padronizar esse atendimento entre os países envolvidos. A gente precisa garantir que a abordagem feita no Brasil seja compatível com a realizada no Chile ou na Argentina, por exemplo”, explica o tenente-coronel.
Segundo ele, a Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Estado também participa de comissões que envolvem as inteligências da PM, Polícia Civil, PRF e outras instituições, com foco na integração entre os sistemas e articulação com os demais países.
Questão aduaneira - Em nota enviada à reportagem, assinada pelo superintendente-adjunto Regional da Receita Federal, Erivelto Moyses Torrico Alencar, a entidade diz que já realiza operações com base em análise de risco na fronteira com o Paraguai e informou que deve reforçar o número de servidores com a convocação de aprovados no último concurso. Também está previsto o aumento da estrutura em Porto Murtinho, onde a Receita atuará no Centro Integrado de Controle de Fronteira, em construção.
Entre as medidas analisadas, estão o uso de scanners, reforço em ações móveis e ampliação da atuação em conjunto com a PRF, PF, Mapa, Anvisa e Forças Armadas. Em 2024, a Operação Fronteira RFB resultou na apreensão de mais de R$ 130 milhões em drogas, mercadorias e veículos ilegais. A Receita também tem papel ativo no combate à lavagem de dinheiro, acompanhando movimentações financeiras ligadas ao comércio exterior.
E a cidade da ponte? - Em Porto Murtinho, cidade que concentra a principal obra da Rota Bioceânica no Brasil, a ponte binacional sobre o Rio Paraguai, o poder público também tem investido em ações de segurança. Segundo o prefeito Nelson Cintra (PSDB), foram instaladas mais de 300 câmeras de videomonitoramento, operadas por uma equipe de 15 profissionais. Dessas, sete possuem tecnologia de leitura de placas e foram posicionadas nos acessos à cidade.
“Temos trabalhado para fortalecer a segurança em Porto Murtinho, e um dos grandes avanços foi a instalação de uma torre de comunicação para a Polícia Rodoviária Federal, conectando digitalmente nossa cidade às unidades da PRF na região”, afirmou o prefeito.
As imagens são transmitidas em tempo real para a Superintendência da PRF em Campo Grande e, segundo ele, ajudam principalmente no combate ao furto de veículos, uma das principais preocupações locais por conta da posição fronteiriça.
Exército tem papel estratégico - Além das forças policiais e aduaneiras, a atuação do Exército Brasileiro também é apontada como estratégica na contenção de crimes transfronteiriços ao longo da Rota Bioceânica. A instituição é responsável pelo SISFRON (Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras), tecnologia voltada ao monitoramento de áreas sensíveis com uso de radares, sensores, câmeras e sistemas de análise de dados.
Projetado para reforçar a vigilância em regiões de fronteira seca, o SISFRON tem sido citado por autoridades civis como peça fundamental na detecção de movimentações suspeitas e apoio à repressão ao tráfico e ao contrabando. A expectativa é que o sistema seja integrado às demais estratégias de fiscalização conforme a rota avance na região.
A Secretaria de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso do Sul (Sejusp) informou, por meio de nota, que estuda o impacto da implantação do Corredor Bioceânico e participa da mesa de segurança formada dentro do Grupo de Trabalho dos Coordenadores Nacionais do CBV, instância que reúne representantes dos países envolvidos.
Segundo a secretaria, o Plano Estadual de Segurança Pública e Defesa Social (2023–2030) já contempla ações específicas voltadas à Rota, com foco na preparação estrutural das forças estaduais. O documento prevê, por exemplo, o fortalecimento de unidades de segurança nos municípios da faixa de fronteira e a criação de protocolos internacionais para atuação policial e pericial nos trechos da rota.
Obras - A ponte binacional sobre o Rio Paraguai terá 1.294 metros de extensão, com um vão estaiado de 350 metros, e está prevista para ser concluída em março de 2026, segundo o DNIT. A estrutura será conectada à BR-267 por meio de uma alça de 13,1 km, que inclui viaduto contínuo, seis pontes de concreto e 18 bueiros, cinco deles destinados à fauna. O investimento total é de R$ 472 milhões. O projeto é executado por um consórcio liderado pela construtora Kaiapó, e a travessia do Rio Amonguijá, etapa importante do traçado, já foi concluída.
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