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Interior

Sob investigação, médico suspeito de cobrar paciente do SUS fica no cargo

Santa Casa de Corumbá abriu inquérito contra médico gravado pedindo R$ 1 mil por cirurgia do SUS

Ronie Cruz | 14/07/2019 10:11
Fachada da Santa Casa de Corumbá, município a 419 km de Campo Grande (Foto: Diário Corumbaense)
Fachada da Santa Casa de Corumbá, município a 419 km de Campo Grande (Foto: Diário Corumbaense)

A Santa Casa de Corumbá abriu investigação interna para apurar a denúncia envolvendo o médico Ricardo da Fonseca Chauvet, de 57 anos, suspeito de ter cobrado R$ 1 mil para retirar um pólipo do útero de uma paciente, de 25 anos, internada pelo SUS (Sistema Único de Saúde).

De acordo com o diretor técnico do hospital, Manoel João da Costa, o inquérito deve durar aproximadamente dez dias e o médico deve continuar atendendo durante o período até que a investigação seja concluída. “Dentro da instituição existem as instâncias legais por onde devem transitar casos como esse. Ele seria afastado imediatamente a menos que já estivesse condenado pela Justiça”, disse.

Ao Campo Grande News, o diretor técnico garantiu que as providências estão sendo tomadas e que o hospital vai agir com cautela no caso. “Se afastarmos ele agora sem que sejam seguidos esses trâmites e em 10 meses, por exemplo, ele for absolvido a gente pode ser condenado por ser intempestivo”, afirmou.

A partir desta segunda-feira (15) o conselho de ética da Santa Casa vai ouvir o médico e a paciente e em seguida o caso deve ser encaminhado para o CRM (Conselho Regional de Medicina). “Não está havendo protecionismo simplesmente estamos seguindo passos legais que o caso requer. Se por ventura o órgão responsável considerá-lo culpado ele será afastado imediatamente”, disse Costa.

O médico - Ainda segundo o diretor clínico, Ricardo acumula mais de 20 anos de serviços prestados na Santa Casa de Corumbá. Ele afirma que o caso surpreendeu o corpo clínico do hospital. “Nunca havíamos tido nenhuma ocorrência que ferisse a conduta dele. Sempre seguiu regras que SUS determina”, contou.

Assim como outros médicos no hospital, Ricardo atua como prestador de serviços em acordo e "sem qualquer vínculo com a Santa Casa e regido pelo código de ética e pelo regimento interno da Santa Casa", conforme Costa.

Gravação - Ricardo, que atua como prestador de serviço no hostpial, foi gravado em aúdio pela estudante de direito Kerolaine Campelo dos Santos, de 25 anos cobrando R$ 1 mil dela para retirar um pólipo do útero da paciente. 

Kerolaine foi internada pelo SUS na unidade na manhã do dia 22 de abril após sentir fortes dores e sangramentos no útero. Por prescrição do médico, ela ficou internada na unidade até o dia seguinte para a realização de exames, mas só depois de um desmaio voltou a ser atendida pelo médico.

Segundo a estudante, Ricardo disse que a mulher estava de "frescura" e até fez insinuações sexuais durante um exame de toque. “Eu estava sentindo dores muito fortes e sangrando sem parar. Estava com medo de morrer e pedi para que ele fizesse alguma coisa. Foi então que ele me disse que me ajudaria, se eu ajudasse ele”, comentou a estudante.

De acordo com Kerolaine, enquanto estava sozinha no quarto Ricardo teria perguntado para ela se ela faria uma faxina na casa dele por R$ 24,00. “É isso que o Estado me paga pra operar você”, ele completou. O médico então informou que não faria a retirada do pólipo apenas por esse valor, e informou o preço que cobraria para fazer o procedimento.

“Quando meu marido chegou no hospital, pedimos orientação com um familiar sobre o que deveríamos fazer e decidimos gravar o pedido dele novamente”, diz. O casal então foi até a sala do médico e sem que ele soubesse que estavam gravando, pediu para que ele repetisse o quanto cobraria para fazer a operação, prática proibida pelo SUS.

Na gravação o médico fala que pode manter a paciente internada no hospital, mas que o pagamento da cirurgia teria de ser feito “em dinheiro, sem recibo e antecipado, tá? Isso te custaria mil reais, tá? Só que isso é ilegal, tá? Mas eu tenho duas opções: ou o ilegal ou eu não faço", diz o médico.

Ouça o trecho do áudio em que o médico cobra pela cirurgia:

Segundo a estudante, o preço inicial cobrado pelo médico era R$ 5 mil, mas durante a conversa ele baixou para R$ 1 mil. “Como eu estava muito mal, meu marido disse para mim continuar internada no hospital, mas no meio da noite fiquei muito assustada. Estava com muito medo de morrer e fugi”, conta.

Após a fuga que ocorreu por volta das 22h do dia 23 de abril a jovem tentou registrar boletim de ocorrência na Polícia Civil, mas, segundo ela, o investigador que a atendeu não quis registrar o ocorrido. Do local, Kerolaine e o marido que é militar procuraram o hospital da Marinha onde a paciente chegou a ficar internada por mais de 16 dias.

“Eu fiz uma primeira cirurgia para a retirada do pólipo, mas os sangramentos continuaram então os médicos descobriram que eu desenvolvi uma adenomiose. A demora no atendimento fez com que os sangramentos comprometessem outros órgãos e agora eu corro o risco de perder o útero”, lamenta.

Somente no último dia 9 de julho, depois que o seu quadro clínico foi estabilizado Kerolaine procurou a Delegacia de Atendimento à Mulher, onde o caso foi registrado como crime de corrupção passiva. “Mas eu vou lutar por justiça. Não foi só corrupção, me senti violentada. Houve omissão de socorro. Eu tive muito medo de morrer, mas hoje o sentimento é de revolta”, completa.

Hospital - Em nota, o hospital informou que “repudia veementemente qualquer comportamento contraditório as filosofias que fundaram e ainda alicerçam este hospital, que são os de solidariedade, caridade e respeito a dignidade da pessoa humana”.

Segundo a unidade, assim que a denúncia foi formalizada, a Direção Clínica e o Departamento Jurídico foram acionados, e que “aguarda o posicionamento técnico para que defina quais medidas deverão ser adotadas diante do fato, colocando-se a disposição da Justiça para auxiliar no que for necessário”.

A secretaria de saúde de Corumbá também repudiou o ocorrido e informou “que será instaurado procedimento administrativo disciplinar e encaminhado a corregedoria do município para apuração da responsabilidade funcional em relação a acusação”. A reportagem não conseguiu o contato do médico Ricardo da Fonseca.

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