Na frente do HU, pacientes "largados" são o retrato do caos na saúde
De janeiro a novembro 8.344 pacientes de fora buscaram atendimento em alguma unidade de saúde da Capital
Em frente ao Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian, em Campo Grande, malas, sacolas e expressões cansadas de quem vem de fora buscar atendimento tomam a calçada. Ali, o ponto de táxi vira abrigo e tocos de árvores assento, para os pacientes que saem de casa na madrugada e são literalmente largados em frente à unidade de saúde, onde enfrentam até oito horas de espera entre consulta e volta para casa.
A rotina é encarada por milhares. Conforme a Secretaria Municipal de Saúde, de janeiro a novembro 8.344 pacientes de outras cidades buscaram atendimento em alguma unidade de saúde em Campo Grande. A média é de 700 ao mês. Dessas pessoas, 80% vão direto aos hospitais e o restante à rede pública mantida pela prefeitura, como as UPAS (Unidades de Pronto Atendimento), contribuindo ainda mais para que os corredores destas unidades ficarem abarrotados de gente.
Um destes pacientes é Rosimeire Perez da Silva, 23 anos, de Costa Rica. Na porta do hospital, a jovem buscou proteção do sol forte, para o filho de 6 meses, num ponto de táxi. Ela conta que, o bebê faz acompanhamento mensal no hospital e sair de casa às 23h para chegar na unidade às 4h30 já virou rotina.
“Come ou descansa quem tem dinheiro. Além do transporte, único apoio que temos é numa casa no Centro onde alguns pacientes recebem ajuda, mas de lá até aqui é bem longe, daí de novo você só vai se tiver dinheiro para a condução”, detalha.
Ao lado dela, Aparecido Cruz de Souza, 19 anos, e a mãe Renilda dos Santos estão na mesma situação. Os dois são de Bandeirantes e chegaram às 6h40 na frente do hospital. Contudo, até às 14h esperavam para ir embora.
“Precisamos esperar o coletivo da prefeitura para ir embora. Meu filho veio trocar o gesso, pois quebrou a clavícula. Sorte que tínhamos dinheiro para comer algo nas barraquinhas aqui, porque quem não tem fica com fome mesmo”, desabafa.
Como os bancos do ponto de táxi estavam todos ocupados, Virgínia Ramires, 57 anos, e o colega Alemão Galas, 61 anos, se ajeitaram em uma escada de concreto desativada. Os dois contam que são da cidade que faz fronteira com o Paraguai, Ponta Porã. Entre consulta e espera, a dupla está ali desde às 5h30.
“O jeito é trazer uma ‘matula’. Tereré, uma bolacha e água, porque é desse jeito sempre, ficamos aqui e contamos com a sorte”, descreve Virginía, sobre a demora em voltar para casa após a consulta.
Já Eunice Ciebe Alves, 56 anos, é de Ribas do Rio Pardo e diz se sentir “jogada” na frente do hospital. “A prefeitura dá o transporte, mas te joga aqui. Cheguei às 5h30 e to até agora [14h] esperando para ir embora. O pior é esse sol. Aqui meu filho é cada um por si. Come quem tem dinheiro se não você ta perdido”, detalha a mulher, ao enfatizar que não recebe apoio além do transporte.
Espera também é lucro – Há quem lucre com a situação precária. Basta uma rápida olhada e é possível ver que qualquer espaço é suficiente para surgir uma barraquinha, que no mínimo vende o famoso PF (Prato feito) ou um punhado de salgado frito e assado.
Talvez nada ali seja muito saudável para quem já está doente, porém são garantia de matar a fome de quem não tem muito dinheiro.
“Rapaz aqui a maioria dos clientes são de fora em. E vem gente do Estado inteiro. Para isso, criamos almoço por quilo ou self servisse”, diz Guilherme Tavares, 25 anos, proprietário de um restaurante em frente ao HU.
Já Isabela de Paula, 21 anos, - que ajuda o pai na administração de um hotel perto da unidade – conta que o investimento neste público foi maior.
“Oferecemos café da manhã, almoço e janta, além de quartos para pernoite e até transporte”, diz a jovem mostrando um folder informativo criado para divulgar os serviços.
A ideia é modelo para dezenas de outros hotéis e pousadas da região, que ficam abarrotadas de pacientes, que estão esperando atendimento ou mesmo a volta para a casa.
“Pelo menos 80% dos nossos clientes são de pacientes que vem de fora buscar atendimento no Hospital Universitário. A maioria prefere ficar aqui do que em uma casa de apoio, por exemplo”, diz.
Reflexo – A Prefeitura de Campo Grande explica que o SUS (Sistema Único de Saúde) não oferece nenhuma casa de apoio a pacientes que vem de fora. O mesmo respondeu a assessoria de comunicação da Secretaria Estadual de Saúde.
O diretor presidente da Assomasul (Associação dos Municípios de Mato Grosso do Sul), José Domingues Ramos, afirmou que a situação é particular de cada município. "Isso depende muito de estrutura e orçamento de cada município, sem mencionar distância", esclareceu.
A secretária de Saúde de Ribas do Rio Pardo, uma das cidades de origem das pessoas entrevistadas pela reportagem, afirma que a prefeitura do município disponibiliza ambulância, van e ônibus para que os pacientes sejam encaminhados à Capital.
“Cadeirantes, quem faz hemodiálise ou mesmo pacientes que estão com estado de saúde mais delicados recebem marmita. Eles geralmente são transportados pela van", explica.
Porém, quem vai de ônibus para consulta e retorno de fato só recebe o transporte até a unidade de saúde. Contudo, já pedi para colocar no orçamento para o próximo ano pelo menos um lanche”, diz a secretaria, que assumiu a pasta em julho deste ano.
O Campo Grande News também tentou contato com a assessoria de comunicação do HU, sobre o número de atendimentos de pacientes de fora, mas até o fechamento desta matéria não obteve resposta.
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