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Cidades

Relatório do regime militar já anunciava conflitos por terra na região de MS

Ângela Kempfer | 16/06/2013 10:47

Já na década de 60, em pleno regime militar no Brasil, havia a preocupação com conflitos entre índios e fazendeiros na região onde hoje fica Mato Grosso do Sul e também no Paraná. Documentos daquela época indicam focos de tensão fundiária por conta da venda ilegal de terras dos índios.

Os dois estados se unem hoje para contestar estudos de ampliação de aldeias e enfrentam a reação indígena, principalmente na região de Sidrolândia.

Reportagem publicada hoje pelo jornal Estado de São Paulo tem como base documentos considerados confidenciais, mas que estavam esquecidos no Museu do Índio, no Rio de Janeiro, até que passaram a ser recuperados pelo grupo da Comissão Nacional da Verdade, que analisa a questão indígena na ditadura.

As informações reforçam a reivindicação de comunidades como da etnia terena, que aparece como expropriada a mando de políticos, juízes e funcionários do extinto SPI (Serviço de proteção ao Índio).

O relatório tem sete mil páginas e apenas uma pequena parte foi analisada. Entre os depoimentos anexados, está de um antigo funcionário do SPI, Hélio Jorge Brucker. Em 1967, em audiência com deputados em Campo Grande, ele provou que no fim da década de 1950, grandes extensões de terras que haviam sido concedidas aos indígenas foram repassadas a produtores rurais. Eram áreas terena, kadiwéu e guarani.

Hélio citou, por exemplo, decisão tomada pela Assembleia Legislativa do então Mato Grosso, em 1.º de abril de 1958, que deixou os kadiwéu sem reserva. As áreas "foram concedidas a parentes (dos deputados), políticos e até juízes."

Depois de instalada Comissão Parlamentar de Inquérito, o Tribunal de Justiça publicou lista de pessoas que teriam recebido as terras, para que fossem se explicar na Justiça, mas poucos processos foram revertidos. Os kadiwéu, por exemplo, recuperaram apenas parte das terras na região de Bodoquena.

Outro documento, de 26 de julho de 1968, com carimbo de confidencial, é assinado diretamente pelo chefe do Serviço Nacional de Informações, o general Emilio Garrastazu Médici, que depois seria presidente do Brasil. No relatório, encaminhando ao Conselho de Segurança Nacional, ele cita o caso da tribo caingangue, no sudoeste do Paraná, como de comprovada "grilagem de terras pertencentes aos indígenas", anexando 158 cópias de documentos comprobatórios.

Segundo a comissão, são inúmeros relatos e comprovações de que aldeias foram loteadas para distribuição a colonos, mas que no decorrer do processo acabaram nas mãos de políticos e setores econômicos fortes, como o de madeireiras.
Ainda no Paraná, na década de 1950, o então governador Moysés Lupion aparece como responsável pela tomada de "uma grande gleba no Estado Paraná que se destinava, por dispositivo constitucional, aos silvícolas do toldo de Mangueirinha" mas que nos anos seguintes acabou beneficiando partidários dele.

Ainda não há detalhes sobre todo o conteúdo do material elaborado pelo regime militar, mas um dos membros do grupo que pesquisa a questão indígena para a Comissão da Verdade, Marcelo Zelic, considera contundentes as provas em defesa das reivindicações indígenas. Na avaliação dele, a etnia terena e guarani são vítimas de abusos.

“O governo não pode ignorar quem comprou terras de boa-fé, criando meios para indenizá-los, mas também não pode virar as costas para os índios. O Estado brasileiro procura sempre postergar a solução da questão fundiária indígena, em vez de procurar soluções".

O relatório da ditadura começou a ser produzido em 1967, pelo procurador Jader de Figueiredo Correia que percorreu o País a convite do extinto Ministério do Interior para apurar denúncias de crimes cometidos contra a população indígena. O documento era dado como perdido em um incêndio no ministério há mais de 40 anos e foi recentemente encontrado no Museu do Índio.

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