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Compartilhando Justiça

O trabalho de gestantes em ambientes insalubres

Dra Anielly Steim Diniz | 15/07/2020 13:00
(Foto: Divulgação)
(Foto: Divulgação)

Promulgada em 05 de outubro de 1988, a Constituição da República Federativa do Brasil foi a primeira a prever um título específico para dispor sobre os direitos e garantias fundamentais. Além disso, é também a única Constituição brasileira a efetivamente positivar os direitos sociais como direitos fundamentais, uma vez que consagrou direitos sociais básicos de caráter geral e, no aspecto mais específico, previu extenso elenco de direitos dos trabalhadores no dispositivo referente aos direitos sociais.

Muito embora os direitos fundamentais sociais não estejam apenas sediados no artigo 6º da CF, é neste dispositivo que foram concentrados os direitos fundamentais sociais básicos (educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados)[1].

Vale ressaltar que o próprio preâmbulo da Constituição já expõe o seu forte compromisso com a justiça social – sendo este comprometimento reforçado pelos princípios fundamentais elencados no Título I, dentre os quais se destaca a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III) – positivada como fundamento do próprio Estado Democrático de Direito.

Ademais, a mesma ideia referente ao conceito de justiça social consta também do artigo 170 da Constituição, que explicita a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa como fundamentos da ordem econômica, vinculando esta última à garantia de uma existência digna para todos, conformada aos ditames da justiça social, de modo que se pode afirmar que a dignidade humana constitui fundamento e finalidade da ordem econômica da Constituição[2].

Dessa maneira, ao proclamar relevantes direitos sociais em seu artigo 6º, entre eles a proteção à maternidade, esse dispositivo passa a funcionar como fundamento para inúmeros outros direitos sociais fundamentais, como a licença-gestante, direito à segurança no trabalho, a proteção do mercado de trabalho da mulher e a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, entre outros.

Conforme esse panorama apresentado, a proteção da mulher gestante ou lactante em seu ambiente de trabalho surge como importante direito social instrumental protetivo tanto em relação à mulher, como em relação à criança. Ou seja, o objetivo da norma é resguardar os direitos sociais da mulher e efetivar a integral proteção à criança recém nascida.

Apesar da existência de normas constitucionais visando a proteção à maternidade, à gestante, ao nascituro e ao recém-nascido, a Lei nº 13.467/2017 (“Reforma Trabalhista”) promoveu alterações no artigo 394-A, da CLT, passando a permitir que empregadas grávidas ou lactantes pudessem trabalhar em atividades insalubres, desde que cumpridos alguns requisitos e precauções.

Antes da mencionada alteração, o artigo 394-A, da CLT, era disposto da seguinte maneira: A empregada gestante ou lactante será afastada, enquanto durar a gestação e a lactação, de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres, devendo exercer suas atividades em local salubre.

Com a Lei nº 13.467/2017 (“Reforma Trabalhista”), passou a dispor:

Art. 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de:

I - atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação;

II - atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação;

III - atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a lactação.

Verifica-se que com a nova redação, a norma impôs às empregadas o ônus de apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação ou a lactação, como condição para o afastamento. Em síntese, a norma passou a expor as empregadas gestantes a atividades insalubres, diminuindo assim a tutela de direitos sociais indisponíveis.

Diante do quadro apresentado, a Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5938/DF)[3] em face da expressão “quando apresentar atestado de saúde emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento”.

O Supremo Tribunal Federal, ao decidir sobre a ADI 5938/DF, compreendeu que “A proteção à maternidade e a integral proteção à criança são direitos irrenunciáveis e não podem ser afastados pelo desconhecimento, impossibilidade ou a própria negligência da gestante ou lactante em juntar um atestado médico, sob pena de prejudicá-la e prejudicar o recém-nascido.”

Nesse contexto, o STF decidiu que a expressão impugnada não estaria em consonância com dispositivos constitucionais que representariam não apenas normas de proteção à mulher gestante ou lactante, mas também ao nascituro e recém-nascido lactente.

Dessa maneira, a Corte Suprema julgou procedente a ação direta de inconstitucionalidade 5938/DF, declarando a inconstitucionalidade da expressão “quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento”, contida nos incisos II e III do artigo 394-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), inseridos pelo artigo 1º da Lei 13.467/2017.

Portanto, restou confirmada a violação aos direitos sociais e aos princípios do direito do trabalho que buscam a proteção à maternidade, a proteção do mercado de trabalho da mulher e redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.

[1] SARLET, Ingo; MITIDIERO, Daniel; MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Direito Constitucional. 5ª edição, revista e atualizada – São Paulo: Saraiva, 2016, p. 592.
[2] GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica da Constituição de 1988 (interpretação e crítica).
[3] STF. Plenário.ADI 5938/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 29/5/2019 (Info 942).

Anielly Steim Diniz - Advogada (Foto: Arquivo Pessoal)
Anielly Steim Diniz - Advogada (Foto: Arquivo Pessoal)

Anielly Steim Diniz - Advogada. Aluna da pós-graduação em Direito e Vulnerabilidade da UEMS e da pós-gradução profissional em Direito e Processo do Trabalho da Faculdade Metropolitana, pós-graduada em processo civil pela Faculdade Damásio, graduada em direito pela UCDB.




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