A direita não é apenas uma posição ideológica
Dificilmente haverá outra superstição de maior universalidade que a valorização do lado direito. Ao longo dos séculos, o Direito passou a ser a razão, a justiça, o bem, a bondade, a compreensão. A esquerda ficou com a pecha de violência, injustiça, inabilidade. Do lado direito todos os objetos e entes dariam fortuna, anunciariam felicidade, vitórias. Do lado esquerdo é a desgraça, o infortúnio, a miséria, a calamidade. Direito, destro, destreza. Esquerda, sinistra, sinistro, catástrofes, perigos, danos. Havia um verbo muito utilizado: esquerdear, valia discordar, contrariar. Esquerdear do juízo era perder o juízo. Esquerdear da sentença, era discordar da sentença.
O lado direito seria o lado nobre. Dar a direita, sentar-se à direita, ficar à direita, era (ou ainda é) uma posição de honra.
Os da direita lembram-se que Jesus Cristo anunciava que no Dia do Juízo salvar-se-iam os que estivessem à sua... direita, é claro. No Gólgota havia três cruzes. Jesus Cristo ficou no meio. Os dois ladrões crucificados com ele, falam. Um o insulta e o outro o adora. Os quatro evangelistas não dizem a posição do agressor e do convertido. A superstição deduz que o ladrão redimido, aquele que acompanhará Cristo ao Paraíso, só poderia estar à direita de Jesus. Assim, aparece um nome: Dimsas, Dismas, Dimas para o arrependido e um título: o Bom Ladrão.
Na Roma e na Grécia o bom augúrio vinha da direita. As aves voando ou paradas nas árvores à direita do viajante, os espirros em que o nariz se inclinava para a direita, os estalos nos móveis, animais correndo, panos esvoaçando, se fossem à direita trariam segurança, alegria, serenidade. À esquerda, apavoravam. Iam na mesma hora procurar templos para pedir pela boa sorte, purificando-se, oferecendo sacrifícios. Toda a Antiguidade clássica teve o respeito pavoroso entre a destra e a sinistra. Para os brasileiros mais antigos a esquerda era a canha, canhota, canhestra, sestro, era sinônimo de má sorte. O homem esquerdo, posição esquerda, olhar esquerdo, dizem o inverso moral do homem direito, da posição direita, do olhar direito. Assim como o pé direito prenuncia marcha feliz ou entrada em um ambiente com sorte. Todos devem ter cuidado em entrar ou sair com o pé direito. E ainda temos o Alberto Santos Dumont, o campeão da superstição. Aquele que construiu o primeiro avião, também construiu uma casa em Petrópolis, no Rio de Janeiro, onde residiu à partir de 1918. O chalé, denominado "A Encantada", têm duas escadas onde só é possível subir e descer iniciando os movimentos com o pé direito. Se há um campo onde a esquerda sempre perde, é no da superstição. Superstição, crendice, esperança... só os estados de espírito nos restam.
Treze à mesa? Jamais.
Até poucas décadas era impossível treze pessoas a uma mesa. Esse respeito ao número fatídico diminuiu, mas a tradição ainda é vasta por todo o mundo cristão. Hotéis na França, Inglaterra ou Itália não tinham o 13 na relação dos apartamentos. Era o 12-A. Assim como nos teatros as poltronas ignoravam o 13. Há uma narrativa na Inglaterra que uma mulher caiu fulminada ao ver que sua casa tinha o número 13.
A exceção se dá apenas para as crianças que nasciam no dia 13. Elas seriam felizes. Mas tanto na astrologia como na cabala, o treze é numero funesto, condenado, índice do mal. Os que acreditam na numerologia afirmam que o 13, três mais um, igual a quatro, significa desgraça, fatalidade, pobreza, decadência.
Naturalmente, muitos pelo mundo afora reagem contra a crendice - existem os clubes dos 13 (Thirteen Club) que reúnem-se em festas e viagens no dia sinistro, especialmente na sexta-feira, 13.
A imagem popular é que o dia 13 é o dia contra, dia do tudo às avessas, dia do pé esquerdo. Dia desaconselhado para casamentos, noivado, batizado....
Euclides da Cunha, em "Os Sertões", lembra que a primeira coluna militar que seguiu para Canudos saiu do Juazeiro no dia 12 de novembro, à noite, para não sair no dia 13.
Mas onde a superstição do 13 era muito forte é na mesa. Treze pessoas à mesa figurava um acontecimento desagradável. Se ocorresse, um teria de sair da mesa e ir para outro lugar. Treze pessoas na mesma refeição provocariam infelicidade para o anfitrião ou sua família. Dentro de um ano morreria um dos treze que estivessem à mesa. Morreria o primeiro que se ausentasse da mesa ou o ultimo a levantar-se. A saída era erguerem-se todos ao mesmo tempo. A Morte teria dificuldade de escolher.
Uma tentativa de explicação está na Santa Ceia. Jesus Cristo reuniu os doze discípulos para comemorar a Páscoa, fazendo a ultima refeição em comum e dando as derradeiras orientações. Eram treze à mesa. Judas de Iscariote, o traidor, foi o primeiro a levantar e retirar-se. Suicidou-se. Morreu antes do Cristo. Daí em diante, em uma recordação que se eternizou, treze pessoas à mesa evocam o destino inevitável da Morte. Atraem o infortúnio.
Elementar, meu caro Ciro. A novela policial nasceu no Antigo Testamento.
Holmes? Dupin? Não. A novela policial nasceu no século II ou III a.C., está no Livro de Daniel. A narrativa de como o profeta hebreu resolveu um mistério em uma casa fechada. Ele está, como seu povo, exilado na Babilônia. Em um trecho, o rei Ciro, da Babilônia, lhe pergunta porque não adora o deus Bel. Daniel responde que não adora deuses falsos, fabricados com as mãos. O monarca replica que não é verdade, o deus Bel está vivo e a prova é que todas as noites lhe deixam alimentos e vinho em uma casa fechada e pela manhã, eles sumiram, o que provaria sua existência. O rei, bastante chateado com Daniel, diz que o decapitará como um ímpio a não ser que prove que um humano come e bebe naquela casa durante a noite. Que fez Daniel para não perder a cabeça? Cobriu com cinzas a habitação. Na manhã seguinte, chegou com o rei e comprovaram que a porta não havia sido aberta. Todavia, ao entrarem na habitação, viram marcas nas cinzas em um canto. Descobriram que ali havia uma porta secreta por onde entravam os sacerdotes que comiam e bebiam as oferendas. Até hoje, "as cinzas do profeta Daniel" são usadas nas técnicas de investigação policial. Conan Doyle, antes de criar seu eterno Sherlock Holmes, foi um leitor voraz. A base de suas novelas estão nos inventos de seu tempo - eletricidade, carro a combustão, transportes públicos, achado da hemoglobina, patrulhamento policial das ruas - mas, principalmente na novela humorística "Zadig", escrita por Voltaire e no Antigo Testamento.