A paz só se alcança com uma traição? O Menino e o Gordo

Permitam-me que lhes conte uma história kadiwéu. Eram dois lobinhos. Abalegegi, cujo nome significa "selvagem", e Abeyacegi, que significa "mau". Tinham um papel secundário no séquito do rei Onça, mas eram ambiciosos e astutos. Um dia o rei Onça se assustou ao ouvir um estrondo na mata, que os lobinhos sabiam que era de um imenso Touro, algo que não deveria assustar uma Onça. Os lobinhos visitaram o Touro e o convenceram de que ele deveria se apresentar ao rei Onça e se declarasse seu amigo. Onça e Touro se tornaram amigos. Mas Onça e Touro passaram a conversar muito e o primeiro deixou de caçar e os animais de seu séquito passavam fome. Então, os lobos convenceram o rei que o Touro estava conspirando contra ele. Ao mesmo tempo, convenceram o Touro que a Onça planejava sua morte. Onça e Touro se enfrentaram. O Touro morreu e todos tiveram carne de sobra para alimentar-se. Os lobos foram alçados a um papel de honra no séquito da Onça, haviam advertido sobre a conspiração. Todos ficaram felizes, menos o pobre Touro que foi servido de almoço. Esta é uma fábula que se denomina "Como levar amigos ao desacordo". Ela é a base das guerras. E também da paz. A essência das guerras é a traição. Da paz também.

A paz só se alcança depois da guerra?

Como alcançar uma paz duradoura? A resposta é indigesta, causa náuseas. Homero nos diz que a paz chega depois de uma década de guerra, quando os seres queridos estão mortos e Tróia destruída. Os mitos nórdicos dizem que a paz chega depois do Ragnarøk, o crepúsculo dos deuses, quando estes destroem seus inimigos, mas também são destruídos por eles. O Mahabharata e o Ramayana também nos dizem que a paz se paga com sangue. E o Panchatantra nos diz que a paz só se alcança mediante traição. Se por um instante abandonarmos as lendas, veremos que a paz só chegou depois do "Menino" e do "Gordo", as duas bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, eram desnecessárias, duas traições. É difícil assinar a paz. E também alcançá-la. Mas não deixemos de sonhar. Não só com a grande paz depois da guerra, mas da pequena paz de nossa vida privada. A que consiste em sentirmo-nos em paz com nossa própria existência e com o pequeno mundo que nos rodeia.