A tribo das árvores. O último ipê.
Da mata chega uma voz: é a de um ipê que habita ali desde sempre e agora quer tomar a palavra. Porque as plantas também tem uma personalidade, cada uma com suas próprias paixões e caráter. Se estudam, se assemelham, se ajudam. Uma tribo. Não uma tribo de humanos. Uma fraternal tribo de árvores.
Uma longa vida.
Uma vida longa nem sempre é uma benção, diz o último ipê do Pantanal. Em meu caso, não sei dizer se foi ou não. Certamente faz muito tempo que meus seres queridos, meus amigos e muitos dos camaradas que compartilharam grande parte desta viagem se foram, deixando-me mais sozinho do que nunca. E não é fácil. A solidão já não me agradava quando era jovem e nada me assustava, nem mesmo o fogo ou o ronco dos tratores cortadores de árvores. E agora que só tenho perto de mim um tarumã e uma bocaiuva, aprecio ainda mais sua distante companhia.
Meus camaradas eram minha força.
Houve um tempo em que tudo que ocorria no Pantanal nos era conhecido. Tanto perigos iminentes como alergias, era impossível que não tivéssemos conhecimento. Sabíamos tudo de nossa tribo. E até dos humanos distantes. Eles tinham boa ideia do que era uma tribo de árvores. Diferente dos atuais que nada sabem... e nem desejam nos entender; para eles, árvore boa é árvore morta. Ninguém, nem jovens, nem anciões, haviam atuado contra meus camaradas. Éramos uma entidade única. Eles humanos e nós da tribo, integrávamos um mesmo corpo. E nenhum corpo se envergonha do que fazem seus membros.
Eu nasci... Há muitos maios atrás.
Assim, nasci em um maio de há muitos anos, em um momento muito feliz de minha comunidade. O alimento abundava, o clima era benigno e meus camaradas prosperavam sem moléstias nem preocupações de tipo algum. Os pequenos adoravam a vida entre os arbustos, e os adultos, felizes pela bonança do clima, não paravam de conversar. Sempre sabiam quando teríamos água e recursos. Até os anciões participavam da serenidade daquele mês de maio fazendo o que sabem fazer melhor: receber informação de todos os lados de nossa vasta comunidade de então e compartilhá-las. Estou sozinho agora. Capim não sabe conversar com ipê. São línguas diferentes. E ainda surgiu uma planta que não conhecia, que chamam pelo nome "soja". Não faço ideia do que ela pretende no Pantanal. Nunca tinha acontecido algo semelhante. Esses novos humanos que aqui apareceram não descobriram que não podem viver sem nós. Acho que está chegando o fim.