Na trilha de gigantes: De Cabeza de Vaca a Manoel da C. Lima
Por Alexsandro Nogueira
Um homem contra a geografia e o tempo.
No início do século XX, quando o sul de Mato Grosso ainda era um território remoto, dominado por fazendas isoladas e caminhos precários, um homem ousou desafiar a geografia e o tempo. Manoel da Costa Lima, nome pouco lembrado nos livros escolares, mas fundamental na história da região, não foi um político influente nem um militar de renome. Foi um desbravador prático, daqueles que enfrentam a terra bruta com as próprias mãos e moldam o futuro com visão e coragem.
A longa história de desbravar Mato Grosso do Sul.
A saga de explorar e conectar Mato Grosso do Sul vem de longe. Em 1542, o espanhol Cabeza de Vaca atravessou a região, abrindo caminhos para a colonização. Mas foi apenas no século XIX que um homem ousou, de fato, abrir o estado para o desenvolvimento. Se hoje comemoramos a conectividade entre Campo Grande e Santa Rita do Pardo e projetamos a Rota Bioceânica como um feito grandioso, há mais de cem anos, sem grandes recursos ou apoio estatal, Manoel da Costa Lima já construía acessos entre o isolamento e o desenvolvimento, entre o sertão do sul de Mato Grosso e o Brasil urbano, abrindo caminhos que moldaram o futuro do Estado.
O problema da pecuária e a necessidade de um caminho.
Nascido em 1866 no distrito de Baús, Costa Lima cresceu ouvindo histórias de sertanistas e tropeiros que percorriam as vastas planícies do antigo Mato Grosso. Desde jovem, percebeu um problema que limitava o crescimento da região: a falta de uma rota eficiente para escoar a produção pecuária até os mercados consumidores de São Paulo. O trajeto usual, através de Minas Gerais, era longo, custoso e sujeito a perdas significativas de gado. Algo precisava ser feito. E ele decidiu fazer.
A ousadia de abrir caminhos e navegar o Paraná.
Em 1900, acompanhado por trabalhadores e familiares, Costa Lima abriu uma estrada ligando Campo Grande ao rio Paraná, inaugurando o Porto XV de Novembro. Mas não bastava ter um caminho. Era necessário um meio de transporte que vencesse o grande rio e conectasse Mato Grosso ao Brasil desenvolvido. Sem apoio estatal, sem investimentos de grandes companhias, ele tomou a iniciativa e, com os próprios recursos, adquiriu um barco a vapor, o Carmelita, no Paraguai.
A epopeia do vapor Carmelita.
A saga que se seguiu foi digna de um épico sertanejo. Transportar o vapor até seu destino exigiu desmontá-lo e rebocá-lo por terra, em carretões puxados por duzentos bois, através das veredas e serras do interior do estado. Durante semanas, a inusitada caravana seguiu pelo sertão, despertando a curiosidade e o assombro das comunidades locais. Em Campo Grande, a chegada do Carmelita desmontado causou alvoroço. Três dias de festa se seguiram antes que a jornada continuasse em direção ao rio. Finalmente, em 1906, o vapor foi remontado e iniciou a primeira navegação a vapor do rio Paraná na região, abrindo uma nova era para o transporte e o comércio no sul de Mato Grosso. Para garantir que o progresso não se perdesse no tempo, Costa Lima ainda construiu balsas, embarcadouros e redes de comunicação entre as fazendas, instalando as primeiras linhas telefônicas da região. Sua ousadia deu origem a povoados e impulsionou o crescimento de cidades como Bataguassu e Anaurilândia.
O legado de um arquiteto do progresso.
Ao contrário dos heróis que desenham o futuro sobre mapas e relatórios, Costa Lima foi um sujeito audacioso do chão batido. Os homens que contam a história de Mato Grosso do Sul o trataram com frieza e silêncio, sem estátuas em praças. Mas sua obra permanece viva nos caminhos que ele abriu, nos portos que ergueu e nas cidades que ajudou a criar. Manoel da Costa Lima foi um dos primeiros arquitetos do progresso do estado, um homem cujo nome deveria estar gravado entre os grandes pioneiros brasileiros. Se o passado estabelece uma ligação com o presente, é porque figuras como ele, sem holofotes ou pompa, garantiram que a civilização fincasse raízes onde antes só havia brejo e sertão.
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