O naufrágio da pimenta e um marinheiro ladrão maneta
Durante a Idade Média, quinhentos gramas de pimenta valiam mais que quinhentos gramas de ouro. Hoje, quinhentos gramas de ouro rendem por volta de cem mil reais e o mesmo tanto de pimenta rende tão somente vinte e poucos. Grãos de pimenta foram usados regularmente como forma de pagamento, servindo como uma espécie de moeda universal. O costume de pagar em pimenta aluguéis continuou até os anos 1.900. Quando a rainha Isabel de Portugal se casou, em 1.526, parte significativa de seu dote foi em pimenta.
Loco por ti pimenta!
Nenhuma civilização foi tão louca por pimenta como o Império Romano. Usavam esse grão inclusive em muitas sobremesas. Não é de estranhar que quando os bárbaros sitiaram Roma, em 408 d.C., seu líder, Alarico, o Godo, propôs suspender o cerco em troca de ouro, prata, seda e 1.400 quilos de pimenta. Pode parecer absurdo atualmente, mas esse desvario alimentar dos romanos teve papel crucial na queda do Império. Acumulavam dívidas astronômicas com a Índia. Deviam 50 milhões de sestércios por ano na compra de pimenta. Esse gosto romano influenciou a Europa inteira durante séculos.
Um império construído com o dinheiro da pimenta.
Nos anos 1.600, as rotas marítimas para a Indonésia, onde existia o monopólio da pimenta, inspirou a criação de uma nova forma de ganhar dinheiro. A Companhia Holandesa das Índias Orientais foi a primeira corporação a lançar ações públicas no mercado, criou a Bolsa de Valores. A margem de lucro da pimenta era impressionante: 2.000%. Mas poucos sabem que os holandeses provocaram um dos capítulos mais sombrios da história para ter pimenta. Quando a população de uma ilhota indonésia, produtora de especiarias chamada Banda, resolveu se revoltar com a exploração holandesa, reagiram matando 13 mil nativos da ilha em poucas semanas de selvageria organizada. E ainda decapitaram os 40 líderes da ilha. Em pouco tempo a população original da ilha tinha desaparecido.
Um marinheiro ladrão maneta destrói o monopólio.
Existe certo debate entre historiadores se o missionário, botânico, marinheiro francês Pierre Poivre (literalmente, Pedro Pimenta) foi de fato o Peter Piper que conseguiu destruir o monopólio holandês da pimenta. O que importa não é o nome. Pierre, efetivamente, conseguiu roubar a pimenta dos holandeses. Aos 26 anos, Pierre foi atingido por um tiro de mosquete em uma escaramuça naval com ingleses. A gangrena fez com que seu braço direito fosse amputado. Depois de muitos insucessos, Pierre conseguiu levar as sementes e as mudas de cravo, canela e pimenta para as Ilhas Maurício. Parece absurdo, mas um dos eventos-chave que puseram fim ao império holandês foi um francês maneta roubando um punhado de sementes do outro lado do planeta. À partir de Pierre, a pimenta foi perdendo valor por inundar os mercados. O naufrágio final veio como um saquinho gratuito servido em qualquer restaurante do mundo.
