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Em Pauta

Os alquimistas financeiros e o banco central

Mário Sérgio Lorenzetto | 01/02/2017 07:08
Os alquimistas financeiros e o banco central

Ele era um homem falido e desesperado. Johan Palmstruch, banqueiro nascido na Letônia, criado na Holanda, iria morar na Suécia. Seu nome verdadeiro era Hans Witmacker, nasceu em 1611, onde hoje é Riga, capital da Letônia. Filho de um mercador holandês de sucesso, quando jovem, foi trabalhar como empresário em Amsterdã, na Holanda, que tinha o sistema bancário mais desenvolvido do mundo na época. Aos 28 anos, Witmacker foi parar na prisão por não pagar dívidas. Uma vez solto, seguiu para Estocolmo, na Suécia, então movimentada capital com 45 mil habitantes. Ele adotou o novo nome. Virou do dia para a noite o respeitável Joham Palmstruch.

A Suécia talvez seja mais conhecida pela sua musica pop brega e por ser cara para turistas do que pelos seus impérios. Mas durante boa parte do século XVII, foi uma grande potencia europeia. Ela comandava um império que se estendia por toda a Escandinávia e pelo que são hoje as nações do Báltico e partes da atual Alemanha, Polônia e Rússia. A Suécia era um imenso império mas sem algumas vantagens de que dispunham seus adversários - França e Inglaterra tinham grandes populações e eram ricas. Seu setor agrícola era improdutivo, afinal o país é nublado 8 meses por ano. A comida era tão escassa que os camponeses misturavam casca de árvore à massa de pão para que rendesse mais. Mas a economia sueca tinha seus pontos fortes - a pesca e a mineração de ferro e de cobre eram avançadas.

Não há retratos de Palmstruch. Mas é justo supor que ele tinha a lábia de um Eike. Transmitia o que não tinha - seriedade, integridade e confiança. Era simpático aos olhos dos ricos e poderosos. Por outro lado, o rei da Suécia queria copiar a experiência holandesa de criar um banco. Confiou em Palmstruch. Ele sabia com os elementos políticos. Metade dos lucros do banco que criou do nada, apenas da confiança do rei, deveria ser entregue para o próprio rei. Palmstruch deu a mais da metade de uma dúzia de suecos poderosos outras parcelas dos lucros desse banco, sem pedir que investissem qualquer capital. E ele era também um inovador e copiador da experiência chinesa.

Os alquimistas financeiros e o banco central

As primeiras alquimias de Palmstruch

O dinheiro sueco era o daler (pronuncia "dóler"), não por acaso similar à moeda norte americana. Eram enormes e pesadas moedas de cobre. Tão pesado que 10 daler pesavam 20 quilos. Uma moeda inviável para transacionar. A primeira alquimia de Palmstruch foi armazenar os daler em seu banco e oferecer uma nota de papel como recibo. A ideia ganhou o interesse do rei. O sucesso da inovação levou a um grande fluxo de depósitos no banco. O banco que não tinha um só daler viu seu cofre encher-se com 400 mil daler de cobre.

A alquimia seguinte foi emprestar dinheiro às empresas para financiar seus estoques de alcatrão, sal e açúcar. Para a nobreza e governantes passou a emprestar tomando como garantia terrenos e até candelabros. Valia tudo para os poderosos. O comércio sueco floresceu com o Stockholms Bank, o banco do Palmstruch.
Mas o rei morreu. E com ele foi-se a confiança no banco. O conselho que passou a governar a Suécia decidiu desvalorizar o daler. O povo teve uma reação lógica: foi às portas do banco em peso para sacar seus antigos daler. Hum....

Palmstruch, é claro, tinha emprestado a maior parte do dinheiro. Não havia muito nos cofres à espera dos depositantes. Ele lidou com a situação tentando cobrar os empréstimos. Piorou ainda mais a vida do banqueiro. Alguns dos que estavam com o dinheiro eram os homens mais poderosos da Suécia. A coisa azedou de vez.

Em 1661, Palmstruch encontrou uma solução que mudaria o rumo das finanças para sempre. Se não tinha moeda de cobre podia copiar os chineses e imprimir papel. Ele imitiria notas de papel que o titular poderia trocar por dalers à vontade. Ele teve a ideia quando viu os recibos de papel que as minas de cobre emitiam para os trabalhadores, que os trocavam nas comunidades, como moeda moderna. A China já usara dinheiro de papel séculos antes, mas era a primeira vez que alguém na Europa repetia a alquimia.

O governo sueco aceitou que o dinheiro-papel fosse usado para pagar impostos. Estava criado o papel-moeda europeu. Agora o dinheiro não era mais um metal, que valia conforme seu peso, era uma ideia, algo sem relação com o valor real do material no qual era impresso fosse ouro, prata, bronze ou qualquer outro. Tornou-se imensamente popular. Palmstruch literalmente não conseguia imprimir a quantidade desejada pelo povo. Começou a ser trocado em todos os demais centros comerciais importantes - primeiro em Amsterdã, depois em Londres, a seguir em Paris e Veneza. O banco começou a abrir filiais. Só a família real sueca contraiu um empréstimo de 500 mil daler.

Em pouco tempo, havia tanto dinheiro de papel em circulação que não foram precisos muitos pedidos de resgate para colocar o Stockhoms Bank em uma situação ruim. Quando a noticia de que o banco estava pagando aos depositantes de forma lenta e irregular começou a se espalhar, a perda de confiança só aumentou. Começaram a dar descontos de 6% a 10% em relação ao que valiam as notas. De repente as notas compravam menos arenque, madeira ou estanho. Fenômeno hoje chamado de inflação.

O governo estava apreensivo e ordenou a Palmstruch que cobrasse as dívidas. Houve um racha no governo pois alguns mandatários deviam muito e não tinham como pagar. Após um violento debate o Parlamento decidiu não dissolver o banco.

Os alquimistas financeiros e o banco central

O primeiro banco central surge para cobrir o rombo

Em 1667, o governo sueco assumiu o controle do Stockholms Bank e, posteriormente, o liquidou. Palmstruch foi julgado por fraude e perdeu o privilégio de administrar qualquer banco. Mas a experiência não tinha acabado. O Parlamento percebeu que precisava substituir o banco por algo. Algo que pudesse controlar mais rigidamente e fosse mais estável.

O governo sueco era excepcionalmente democrático para a época. Havia quatro grupamentos sociais representados no parlamento: nobres, comerciantes, o clero e os camponeses. A nobreza e os comerciantes se uniram na ideia de construir um banco central. Cooptaram o clero, os intelectuais da época. Os camponeses afirmaram que "não tinham conhecimento do assunto" e que "os outros bons senhores das outras classes sociais poderiam fazer o que fosse mais benéfico para eles, mas que deveriam permitir que o camponês estivesse livre de aspectos que ele não compreendia". Nenhum membro do parlamento sueco se chamava Dilma Roussef ou Marina Silva, mas conheciam a alquimia de como criar ouro do nada.

Não seria a última vez que um banco central estava sendo criado sem o conhecimento dos trabalhadores. Eles não entendiam de alquimia. Durante séculos, a humanidade havia procurado transformar materiais mundanos nos preciosos ouro e prata. Eram os alquimistas. Eram um grupo isolado que falava uma linguagem incompreensível para quem era de fora e desdenhava os não iniciados. Como se vê, a humanidade não precisa de uma poção mágica para criar ouro do nada. Basta um papel, uma tipografia e um banco central.

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