Tiradentes, o homem de Vila Rica, um desconhecido
No final do século XVIII, o viajante que ia pela primeira vez a Vila Rica era tomado de espanto. Faltando vinte quilômetros para o fim da viagem, a estrada era um desfiladeiro em zigue-zague, com um morro sobre a cabeça e uma sucessão de abismos aos pés. Era vertiginosa. A região era considerada um dos piores lugares da Terra. Não era um lugar onde alguém pudesse imaginar assentar 2 mil casas grudadas umas às outras, uma dúzia de igrejas e alguns prédios públicos de grande porte. O "amor pelo ouro" venceu a lógica.
Maior que o Rio de Janeiro.
A vila abrigava incríveis 79 mil "almas" (excluindo-se os indígenas). Correspondia a quase 3% da população brasileira. Era coalhada de bandidos violentos e índios bravios. Tinha mais habitantes que o Rio de Janeiro (39 mil) e Salvador (46 mil). Era quase duas vezes e meia maior que N.York (33 mil), a cidade mais populosa dos EUA. A grandiosidade de Vila Rica tinha uma explicação. Era o epicentro do maior delírio da época. Sacudia a América inteira e a Europa. Exploravam a maior reserva de ouro até então conhecida no mundo. Retiravam da terra pepitas de até 3 quilos com facilidade. Foi a primeira corrida do ouro da era moderna.
Um inacreditável grupo de intelectuais.
Uma pequena - porém brilhante - porção de intelectuais tinha levado o mundo para essa Vila. Eram homens que entre si conversavam em profundidade sobre filosofia, poesia, às vezes em italiano perfeito. Possuíam fartas bibliotecas em um Brasil onde era proibido imprimir livros ou editar jornais. Onde um livro importado, é claro, custava o equivalente a duas ovelhas. Apesar de ilhados no "fim do mundo" estavam a par das radicais mudanças políticas e sociais que aconteciam nos EUA e na Europa. E queriam que aquele lugar, chamado Minas Gerais, fosse um país independente. Ao contrário do que alguns contam, não era desejo deles que o Brasil fosse independente de Portugal. A questão que debatiam era a independência de Minas Gerais.
O Tiradentes de muitas profissões e nenhum reconhecimento.
"O mártir da Inconfidência" foi mascate. E não se deu bem vendendo qualquer coisa de porta em porta. Alferes, algo semelhante a tenente, não soube enfrentar as engrenagens da burocracia dos oficiais de baixo escalão, como ele, que nunca tinha chance de progredir. Paralelamente, ao ofício de militar, tratava e arrancava dentes. E será devido à boca que será levado ao patíbulo. Mais do que qualquer um dos revoltosos que constituía a intelectualidade de Vila Rica, Joaquim José da Silva Xavier não soube manter sua língua dentro da boca, falava "pelos cotovelos". Foi o único morto daquele grupo. Em parte por ser pobre no meio de ricos. Mas a extremada crítica que vertia pela boca, o acorrentou. Sempre foi um desconhecido, até o advento da República. Só saiu do anonimato pela vontade dos republicanos de ter um herói.
