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Educação e Tecnologia

Doentes, quase 500 professores da Reme pediram para deixar sala de aula

Em Campo Grande, 492 professores, dos 4550 concursados estão em readaptação, processo pelo qual docentes ocupam outras funções na escola,

Tatiana Marin | 01/05/2019 07:53
Docente em sala de aula. (Foto: Arquivo/Mirian Machado)
Docente em sala de aula. (Foto: Arquivo/Mirian Machado)

A docência talvez seja a carreira que mais depende da vocação e do amor pela profissão. Desvalorizados e subremunerados, professores estão adoecendo e buscando outros meios de permanecer na atividade escolar. Uma delas e a readaptação, que é o processo pelo qual os profissionais assumem funções administrativas ou outras tarefas pedagógicas nas escolas, fora da sala de aula.

Em Campo Grande, dos 4550 concursados da Reme (Rede Municipal de Ensino), 492 estão em readaptação. Somente neste ano, cerca de 85 docentes solicitaram a mudança.

A Lei Complementar 19/1998 que dispõe sobre o plano de carreira do magistério, explica no artigo 30 que “readaptação é o afastamento, provisório ou definitivo, do profissional da educação de suas funções, para exercer outras atribuições mais compatíveis com sua capacidade física e mental, mediante parecer da Junta Médica Especial do Município, designada por ato do Poder Executivo”.

Nesta semana passada, a Semed (Secretaria Municipal de Educação) publicou, inclusive, uma convocação aos professores em readaptação. Segundo Magda Cardoso, chefe dos direitos funcionais da pasta, o processo serve para verificar a vida funcional dos docentes.

Magda explica que a readaptação acontece por pedido dos professores por um prazo de 6 meses, que podem ser prorrogados até completar 730 dias. O processo é avaliado por uma junta médica do IMPCG (Instituto Municipal de Previdência de Campo Grande), que valida o pedido. Os motivos são os mais variados, desde físico, psicológico e até psiquiátrico. Não há levantamento estatístico de qual enfermidade mais afeta os professores.

Professor Antônio Osório, da Faculdade de Educação da UFMS. (Foto: Primeira Notícia/UFMS)
Professor Antônio Osório, da Faculdade de Educação da UFMS. (Foto: Primeira Notícia/UFMS)

Para o professor doutor da Faculdade de Educação da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) Antonio Carlos Nascimento Osório, o adoecimento dos docentes é consequência da ampliação das funções destes profissionais que, tendo sido preparados para práticas pedagógicas, acabam assumindo outros papéis em uma sociedade em que os pais estão cada vez mais ausentes.

“O primeiro motivo de afastamento da sala de aula é relacionado estritamente com condições emocionais e afetivas dentro da sala de aula. Não é que o tipo do aluno seja o problema, o problema é que a sociedade hoje é outra. Há algumas décadas, a família assumia a educação do filho. Hoje, a responsabilidade do professor foi se ampliando. O trabalho dele, a ferramenta que ele possui, tende a se esvair, pois é uma condição que antecede a aprendizagem, qual seja, a conduta dos alunos”, explica o professor.

O pedagogo orientou três teses que tratam sobre o afastamento dos professores da carreira, sendo eles sobre violência na escola, adoecimento dos professores e a readaptação.

Como exemplo da precarização dos relacionamentos na sala de aula, Osório cita situações que aconteciam em decorrência da condição financeira dos docentes. “Anos atrás eles não tinham condições financeiras para ter telefone celular com acesso à internet. O aluno já tinha. O mesmo acontecia com computadores. É um conjunto de disparidades que vai jogando os professores em condição de inferioridade”, relata.

Fora da sala, mas dentro da escola“No grupo de readaptação, chama a atenção a busca do prazer pelo trabalho, embora não querendo sair do ambiente escolar. É comum encontrar readaptados na biblioteca, no refeitório, como porteiros, inspetores. É uma forma de permanecerem no ambiente de trabalho, mas com atividade produtiva, já que é uma formação em que investiram e agora é uma frustração”, descreve Osório.

Biblioteca da Escola Municipal Irma Zorzi. (Foto: Semed/PMCG)
Biblioteca da Escola Municipal Irma Zorzi. (Foto: Semed/PMCG)

Ele conta que uma das professoras entrevistadas por um de seus orientandos revelou que seu maior prazer era pedir para os alunos repetirem comida que ela tinha feito.

A readaptação pode ser um paliativo para os professores que, exercendo outras funções, passam por tratamentos e podem retornar para a sala de aula. No entanto, na observação de Osório, não é o que normalmente acontece. “A escolha (readaptação) se dá por fragilidade psíquica. Eles adoecem e não vão voltar mais. É uma situação muito precária”.

O professor alerta que o abandono da sala de aula compromete a política de educação, pois gasta recurso da educação continuada com capacitação com professores contratados, “e não é esse professor que vai ficar lá (na escola). É um efeito cascata. O que prejudica nao é so afastamento mas as consequências dentro da construção pedagógica de uma sociedade que busca mudança”, avalia.

Desistência - Talvez mais grave que a solicitação de readaptação, Osório alerta para um grande índice de professores que estudam, prestam concurso, passam, mas desistem de assumir o cargo. Este problema também foi tema de pesquisa de um de seus orientandos.

“Entrevistamos 15 professores e todos disseram que não estavam preparados para sala de aula, não em relação a ministrar aula, mas a conviver com o ambiente pedagógico de hoje, a ausência de limite e respeito”, conta ele alertando para o problema nacional de violência na sala de aula.

Professor em sala de aula. (Foto: Semed/PMCG)
Professor em sala de aula. (Foto: Semed/PMCG)

Solução? - “Trabalhei muitos anos pesquisando o assunto e confesso que não sei como conseguir sensibilizar a responsabilidade social dos políticos. E a situação tende se agravar. É um panorama triste e constrangedor. Não porque eu sou professor, mas pela nossa incompetência de poder fazer alguma coisa para resolver”, analisa Osório.

Embora o cenário seja sombrio, o pesquisador acredita em uma solução. “Tudo é possível solucionar, desde que haja compromisso social e não alucinação de quem tem controle de poder”, opina.

O conselho que Osório dá para os professores é que “as pessoas tem que aprender a lidar com a instituição e não com o institucional. As relações que confrontam no dia a dia do trabalho não podem cair na individualidade”, pontua.

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