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Educação e Tecnologia

Vilão, celular já é combatido em escola da Capital e será alvo de lei federal

Ministério da Educação prepara projeto para banir aparelhos de públicas e particulares

Por Cassia Modena | 24/09/2024 09:41
Dono de escola particular da Capital mostra prateleira feita para guardar os aparelhos enquanto alunos estão em aula (Foto: Marcos Maluf)
Dono de escola particular da Capital mostra prateleira feita para guardar os aparelhos enquanto alunos estão em aula (Foto: Marcos Maluf)

Em uma escola particular do Bairro São Francisco, em Campo Grande, é assim: os alunos chegam, colocam os celulares em prateleiras identificadas com seus nomes e podem pegar durante o intervalo, mas devolver quando voltarem às salas. Só no horário da saída os aparelhos podem ser colocados de volta nas mochilas.

O esquema é parecido com o que as escolas municipais do Rio de Janeiro (RJ) adotaram este ano. A principal diferença é que os estudantes não podem resgatar os celulares na hora do recreio.

Proprietário do Colégio Referencial, que adotou a medida em Campo Grande, Valdivino Pereira conta que ela tem dado certo.

“Os alunos se concentram melhor nas aulas, evitando distrações comuns, como o acesso às redes sociais, vídeos no TikTok e jogos. Professores relataram uma melhora significativa no ambiente de aprendizado, uma vez que não precisam interromper as aulas constantemente para pedir que os alunos guardem os celulares. Assim, o tempo é aproveitado de forma mais produtiva”, diz.

As prateleiras do colégio no São Francisco estão identificadas por turma, do lado de fora, e com o nome dos alunos, do lado de dentro (Foto: Marcos Maluf)
As prateleiras do colégio no São Francisco estão identificadas por turma, do lado de fora, e com o nome dos alunos, do lado de dentro (Foto: Marcos Maluf)

A proibição do uso durante as aulas existe desde 2018 na escola, mas não sem alguma resistência.

Tivemos que mudar as prateleiras para longe das salas, porque eles ficavam com fones nas mochilas e conseguiam ouvir música no bluetooth. Nossos inspetores começaram a conferir se todos estavam guardando os aparelhos e tivemos que impor regra: se o aluno burla, advertimos, recolhemos e só entregamos ao responsável”, conta Valdivino.

Proibição nacional - O Ministério da Educação anunciou que vai enviar à Câmara Federal um projeto de lei para banir o uso dos celulares em escolas públicas e privadas de todo o Brasil, em outubro. Mais detalhes não foram divulgados.

Um em cada quatro países no mundo já possui leis que os proíbem, segundo relatório publicado no ano passado pela Unesco, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura da ONU.

Nas escolas estaduais de Mato Grosso do Sul, o aluno é advertido e pode ter o aparelho recolhido se mexer nele na sala de aula, exceto se houver alguma atividade que incentive o uso, mas isso não tem resolvido as reclamações dos professores, que explodiram na SED (Secretaria Estadual de Educação) nos últimos anos.

As regras atuais são internas, já que não existe ainda uma norma geral assinada pela secretaria. Secretário que chefia a pasta, Helio Daher explica que um documento está pronto, mas que vai aguardar o ministério divulgar o projeto de lei para balizar as medidas estaduais e publicá-las.

Alunos de escola estadual de Campo Grande com celulares nas mãos (Foto: Arquivo/Campo Grande News)
Alunos de escola estadual de Campo Grande com celulares nas mãos (Foto: Arquivo/Campo Grande News)

Se quiserem acessar agora as redes sociais pela rede de Wi-Fi aberta nas escolas, os estudantes não vão conseguir. Esse acesso é bloqueado, segundo o secretário.

No ano passado, a SED chegou a fazer uma rápida pesquisa sobre o uso da rede de internet pelos alunos. Liberou durante uma semana as redes sociais. O resultado foi que o TikTok ganhou a atenção da maioria, correspondendo a 70% dos acessos nesses dias.

Daher diz que é a favor de se restringir o uso do celular. “A gente entende que tem que ter algum tipo de restrição, principalmente para a juventude, por não prestar atenção nas aulas, se dividir e não focar porque tem a concorrência do aparelho ali do lado”, afirma.

Sobre a norma que a secretaria vai publicar, ele antecipa.

A gente vem trabalhando por algum nível de restrição, não de proibir que se leve o celular. Até porque muitos pais têm uma rotina de monitorar seus filhos e fazer o contato de maneira mais rápida pelo aparelho. De maneira alguma o Estado tem intenção de interromper esse contato. O Estado quer fazer o que é interessante, criar restrições para que o celular permaneça não utilizado e guardado durante as aulas”, falou.

Já nas escolas municipais da Capital, a Semed (Secretaria Municipal de Educação) afirma que o uso do aparelho em sala de aula é proibido desde 2019 pelo regimento escolar.

“Segundo a norma, é proibido o uso do aparelho celular ou similar em sala de aula, postar em redes sociais, gravar áudio ou realizar filmagens dentro do ambiente de ensino com prejuízos ao processo de ensino e aprendizagem e à imagem da unidade escolar, ressalvados os casos em que serão utilizados para fins pedagógicos e que tenham sido acordados com o docente e/ou equipe técnico-pedagógica”, explicou em nota.

Das salas de tecnologia até 2024 - Professor doutor em Educação da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Antonio Osório lembra que a introdução da tecnologia na escola já começou mal há cerca de 20 anos, com estrutura de computadores que hoje são sucata e atividades dispersas, orientadas por pessoas sem formação específica para isso.

"A ideia era tornar a tecnologia algo concreto para os alunos do ensino básico", diz. Depois das salas de tecnologia, veio outro marco, a pandemia de covid-19.

Os celulares viraram aliados no ensino quando o vírus circulava e aprisionou muita gente em casa. Mas, Antonio não acredita que os aparelhos ajudaram a proporcionar um aprendizado no sentido literal da palavra. "A preocupação maior é que tivessem clareza do que estavam aprendendo. Tenho minhas dúvidas se o Google Meet ou o WhatsApp são capazes disso", diz.

Mãe de Campo Grande falou com a reportagem em 2020 sobre rotina de dividir celular entre os filhos, para estudarem durante a pandemia (Foto: Henrique Kawaminami/Arquivo)
Mãe de Campo Grande falou com a reportagem em 2020 sobre rotina de dividir celular entre os filhos, para estudarem durante a pandemia (Foto: Henrique Kawaminami/Arquivo)

O professor explica que, teoricamente, o processo de ensino é uma construção com vários elementos, entre eles o ambiente da escola, os professores, os alunos e a sua interação. Quando ocorre com ferramentas de tecnologia ou com a interferência do celular, isso é quebrado.

Vira um operador individual. Não dizem que o celular é hoje quase parte do corpo de uma pessoa? Então, na prática, o aluno vai estar ali com ele mesmo e não vai aprender satisfatoriamente", continua.

"Pode parecer uma medida autoritária a que o governo federal vai anunciar, mas é necessária. O Estado precisa intervir quando os responsáveis não cumprem suas responsabilidades", defende. Sobre os responsáveis, ele explica que são os pais ou adultos que respondem pelos alunos, mas que avalia andarem muito permissivos, de forma geral.

Antonio destaca que o aumento da ansiedade em crianças e adolescentes é um dos efeitos do uso desenfreado da tecnologia por crianças e adolescentes, dentro ou fora das escolas. "Há diversos estudos sobre isso. Os efeitos no futuro, ainda não sabemos, mas podemos dizer que a infância está vivendo uma alteração radical pelo abuso das tecnologias", afirma.

Outra preocupação dentro do tema, que ele acha merecer ser mais discutida, é a saúde mental dos professores. "Eles têm que competir com os celulares. Que entusiasmo têm para trabalhar um conteúdo com esses adversários?", se pergunta.

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